terça-feira, 29 de setembro de 2009

Carlos Mancuso




Parece que algumas coisas sempre existiram, nascidas de alguma origem súbita, incerta e não sabida. Ou talvez seja só nosso costume “industrial”, em que tudo é feito em escala, pré-fabricado em algum cantão chinês e adaptado aos lugares, mais ou menos na marra. Uma outra maneira de dizer a mesma coisa é: que ignorância a minha, que falta de curiosidade, quanta falta de “investigação”. Pode ser mais simples: as minhas poucas idas ao São Pedro.Ou então, pode ser só a falta de hábito de olhar para cima! Mas acho que é mais que isso...
Seja o que for, ontem fui fotografar para um perfil um senhor chamado Carlos Mancuso. Pintor, arquiteto, restaurador e boa praça, foi ele quem desenhou e restaurou o teto do Teatro São Pedro e, o que achei mais incrível, desenhou e projetou o imenso lustre que domina a platéia do teatro. O lustre e as pinturas que, acho, pensei existirem desde sempre.
Desculpada minha ignorância, liguei isso a um painel que fotografei outro dia sobre “questões do envelhecimento”. A pergunta era “o que significa envelhecer” e se incentivava os participantes a responder com um pequeno texto. Acho que, se tivesse tido mais coragem e tempo, teria escrito que algumas vezes envelhecimento se liga a esquecimento.
Foi a sensação que tive descobrindo e fotografando o Mancuso. E me dei conta, também, que este é um dos tantos medos que carrego comigo.

sábado, 26 de setembro de 2009

Guadalupe Miles e Pablo Tellezon


Na viagem de trem, de Puno a Cusco


Guadalupe Miles fotografando, Pablo mirando al sudeste.

Em agosto do ano passado, em uma viagem a Buenos Aires, vi numa exposição uma fotografia de alguém que havia conhecido muitos anos antes, em uma viagem pela Bolívia. Em Potosí, mais exatamente. Lá em cima descobri a "puna" ou o "soroche", o mal de altura. Também conheci os argentinos, que me encantaram para sempre. Um caso ("causo") com um casal deles, contei aqui. Marco, outro dia, me disse que leu e que havia ficado curioso de ver a foto de que falei. Disse ele, vê-la provaria - ainda que não se tratasse de dúvida alguma - tudo, deixaria tudo mais "real". Gostei de ele ter lido e gostei da idéia. Hoje fui procurá-la (procurá-los) e achei (cromos precisam ser olhados na folha, um a um). Achei, também, algumas outras fotos dessa viagem tão estranha, em 1998. Mundo pequeno e redondo.

Potosí

domingo, 20 de setembro de 2009

Walker Evans no MASP




"Fotógrafo da América Profunda", Walker Evans vai ter uma mostra em exibição no Masp, em SP, a partir de 1o. de outubro. Serão 120 imagens do norte-americano que viveu entre 1903 e 1975 e que é bastante conhecido pelo seu trabalho no interior dos EUA (o projeto F.S.A.) durante a depressão econômica dos anos 1930. Mas mais que isso, pelo seu olhar "objetivo" e "não sentimental", hoje Evans é uma das grandes referências para o que há de vínculo entre fotografia e arte contemporânea.

As fotos acima são de um trabalho que o fotógrafo produziu no interior dos metrôs de Nova York, com uma câmera escondida. Segundo Geoff Dyer, no livro O Instante Contínuo,

Em vista do impacto que Cega, de Strand, lhe causou, era inevitável que Evans tentasse um dia produzir algo equivalente - equivalente não só sentido de que Evans realmente fotografou um acordeonista cego em Nova York, mas também de que procurou utilizar o mesmo procedimento: fotografar pessoas sem que elas se dessem conta de sua presença.
Entre 1938 e 1941, Evans fez uma série de retratos de passageiros no metrô de Nova York. A essa altura, os inconvenientes de fazer instantâneos na rua tinham sido superados e era relativamente fácil fotografar, sem ser notado, à luz do dia. Nas condições de baixa luminosidade e de trepidação do metrô (onde era proibido fotografar semlicença da polícia), Evans enfrentou muitas dificuldades técnicas que se tornaram - ao menos em retrospecto - parte essencial do objetivo do projeto. Com uma câmera Contax de 35mm escondida sob o casaco (com o diafragma bem aberto, o obturador ajustado para 1/50 e as partes cromadas pintadas de preto), Evans (às vezes acompanhado pela jovem fotógrafa Helen Levitt - viajava no metrô e esperava até que, supunha, a pessoa diante dele estivesse corretamente enquadrada. Depois, utilizando um cavo disparador que corria pela manga do paletó, ele se firmava e batia a foto. Até revelar o filme, Evans não sabia com exatidão o que havia registrado. Em termos de composição correta, estava fotografando às cegas. Isso era parte da atração do projeto.
A idéia, disse Evans mais tarde, era imaginar que certas pessoas "tinham aparecido e, sem saber, se posicionado diante de uma câmera fixa e impessoal durante um determinado tempo, e que todas essas pessoas, enquadradas no visor, eram fotografadas sem a menor intervenção humana no momento em que o obturador era disparado". (...) "Eles baixam a guarda e deixam cair a máscara", observou ele, "mais ainda do que quando estão sozinhos no quarto (com um espelho), no metrô os rostos se acham expostos e indefesos".

sábado, 19 de setembro de 2009

Dia ruim


segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Duplas


Fotos: Flávio Dutra, Mercado Público de Porto Alegre

Coisa boa de feriado em casa é ler os jornais guardados "pra depois", juntar tralha que tava atrapalhando no "quartinho de estudar" e jogar fora e, de quebra, achar coisas semi-perdidas.
Nessas, encontrei uma pilha de revistas de fotografia prontas pra irem pro lixo e que, pra mim, tavam na mira do "um dia leio". D. Maria, a faxineira, parece que não tava mais acreditando nisso e tinha intenções menos nobres e mais realistas.
Buenas, salvei tudo (D. Maria vai ficar brava!) e, folheando uma que outra, encontrei esse texto aí de baixo. Talvez seja mesmo um pouco "romântico", mas tem coisa melhor?
Eu que digitei, o que significa que eventuais erros são meus e não da revista.


Dupla de dois, simples como feijão e arroz

Por Xico Sá*

Noves fora a nostalgia precoce, essa doença que nos pega com frequência, feito vírus de gripe, uma coisa é certa: a reportagem no Brasil está sentindo falta da parelha, do casal de pombos da notícia, a velha dupla repórter/fotógrafo, os xifópagos que fazem miséria quando estão na liga.Não estou aqui falando tão-somente de duplas de grife, tipo David Nasser & Jean Manzon da Cruzeiro dos velhos tempos. Trato da necessidade de fotógrafo e repórter andarem juntos, unha e carne, tocando de ouvido, entrosados, tabelinha de idéias, cerveja no boteco e... pimba!, grandes histórias nas páginas.Simples e fácil como empurrar bêbado em ladeira, pena que os jornalões tenham esquecido de prática tão necessária. Agora normalmente é assim: cada um faz a sua parte de maneira isolada. O jornalão manda o repórter, quando manda em viagem, e depois se vira para ilustrar a matéria como pode. Compra de frila, de agência, se vira.Nada contra frilas e agências, mas é incomparável, em reportagens, o rendimento de uma dupla com o resultado desse casório maluco que junta um texto vomitado aqui com uma foto baixada ali conforme foi possível comprá-la. Em alguns casos, você vê a mesma foto, mesmo num acontecimento banal, em todos os jornais. É o fim do princípio básico do jornalismo: o furo, o rombo, o extraordinário.O fim do velho grito "Extra! Extra! Extra", sempre hiperbolicamente rodrigueano e exclamativo no último!!!Aliás, o que mais perturba hoje um editor é a tal da exclusividade. Você repórter vai lá e diz aquele sonoro "SÓ NÓS TEMOS!" O chefe olha, reflete, e diz, burramente: "Então damos depois". O que se busca é o empate. O importante é não tomar furos, jamais dá-los. Se nós temos, o furo vai para as gavetas. Fica à espera para ser desovado num feriadão, um fim de ano, um Corpus Christi, o diabo a quatro...A dupla, nesse caso, é um problema.Um repórter e um fotógrafo trocando figuras, mergulhando no tema, unindo os repertórios de outras histórias é um perigo. Podem fazer misérias!

*Xico Sá, um dos últimos jornalistas românticos, acredita no óbvio: histórias boas gastam muita sola de sapato e são contadas pelas duplas de repórter-fotógrafo.

Texto originalmente publicado na revista Fotosite Fotografia, número 6, jun/jul/2005.


quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Da Folha (7) - Claudia Andujar, Marcados



Números identificavam os vacinados

FABIO CYPRIANO

DA REPORTAGEM LOCAL

Nos anos 80, artista fez mais de mil imagens dos ianomâmis, que sofreram com chegada de doenças depois de 1974. Claudia Andujar identificou índios sem nome e que se deslocam constantemente; "As coisas estão piores", diz artista sobre situação atual

Em 1944, aos 13 anos, na Transilvânia, Hungria, a fotógrafa Claudia Andujar percebeu que uma marca iria determinar o desaparecimento de muitas pessoas ao seu redor -pai, avós e seu primeiro namorado, Gyuri, todos carregavam a estrela de Davi em amarelo costurada na roupa.Num primeiro encontro numa praça pública, em junho daquele ano, os dois confessaram os sentimentos e se beijaram."Era o nascimento do amor", diz Andujar. Interrompido pela história que se conhece, o romance continuou visível apenas num retrato de Gyuri, que a artista carregou num medalhão que pendia em seu pescoço.Quase 40 anos depois, Andujar viu-se novamente envolvida com marcas, só que dessa vez era ela quem criava os sinais.Em 1981, junto de dois estudantes de medicina, ela deu início a um projeto de saúde entre os índios ianomâmi, na Região Norte do Brasil.Durante três anos, em distintos momentos e em difíceis recantos da selva amazônica, a pequena expedição vacinava comunidades que estavam fadadas a morrer pela contaminação com doenças trazidas pela invasão branca.Enquanto os estudantes vacinavam, Andujar fotografava os índios com números. "Como eles não usam o nosso sistema, não têm nome e são chamados pela relação de parentesco, nós passamos a numerá-los para criar uma forma de identificação", conta ela.Foram mais de mil retratos, realizados em mais de cem aldeias. No próximo dia 8, cerca de cem dessas imagens serão lançadas no livro "Marcados", com texto de Stella Senra, pela editora Cosac Naify, e serão vistas numa exposição com as fotografias na galeria Vermelho.

Anos 70

"Eu não via essas imagens como um trabalho artístico, era um projeto de saúde a favor dos ianomâmis", conta Andujar. Ela conhecera esses índios em 1970, quando realizava uma reportagem para a revista "Realidade" sobre a Amazônia."A publicação foi questionada pelos militares. Muitos jornalistas pediram demissão e eu decidi não mais trabalhar com fotojornalismo", conta a artista hoje, em seu apartamento na avenida Paulista.No ano seguinte, ela conseguiu uma bolsa da Fundação Guggenheim para voltar a encontrar os ianomâmis, até então isolados do contato."Eu queria entendê-los como povo e como cultura", diz ela, que registrou esse envolvimento em mais de 50 mil imagens, entre 1971 e 1977."Eu só voltava a São Paulo para revelar os negativos e ampliar as fotos", ri, como se relatasse um processo arcaico - o que de fato hoje é. Nesse período, contudo, ela se tornou testemunha de um processo de dizimação dos índios, pois com a construção da Perimetral Norte, em 1974, os ianomâmi entraram em contato com doenças como o sarampo e começaram a morrer em decorrência delas.Andujar tornou-se, então, militante da causa ianomâmi ao se identificar com sua história: da mesma maneira que ela se deslocou pelo mundo em busca de um território -nasceu na Suíça, viveu na Hungria e nos Estados Unidos até chegar ao Brasil, em 1955, eles também circulam por várias áreas, cada vez que a caça acaba ou o solo já não serve mais.Expulsa da região pela Funai, em 1977 ("Como eu visitava as aldeias onde muitos índios morriam, achavam que eu queria denunciar o governo"), ela passou a defender a demarcação do parque ianomâmi, o que foi conseguido de fato apenas no ano de 1992.E a saúde dos índios, melhorou? Andujar, que segue em contato com eles, mostra um documento do ano passado, enviado ao ministro da Saúde pela Associação Yanomami Hutukara. O registro aponta o recrudescimento da malária e mostra que o índice de crianças vacinadas de até 1 ano é de apenas 20%. "As coisas estão piores."

Série ajudou a fundamentar tema da 27ª Bienal de São Paulo, em 2006
A série "Marcados", de Claudia Andujar, foi vista pela primeira vez na 27ª Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", em 2006. Realizadas para um projeto de saúde, as imagens chegaram ao campo artístico na mostra que tematizava o rompimento de limites entre arte e vida, a partir de Hélio Oiticica. "A escolha de Marcel Broodthaers como um dos eixos da exposição me permitia realizar uma crítica ao museu e à exposição por meio do significado de montar e mostrar um acervo. Vejo os "Marcados" como uma enciclopédia pessoal que se tornou universal", avalia Lisette Lagnado, curadora da 27ª Bienal de São Paulo. O livro traz um texto da pesquisadora Stella Senra. Para ela, "a documentação [dos marcados] não está relacionada do mesmo modo com o ato de fotografar. Ela é uma exigência da ação (a luta pela demarcação, o cuidado com a saúde dos ianomâmis) -mas de uma ação que é eticamente inseparável do trabalho fotográfico". A publicação traz ainda trechos de um documento de 219 páginas, o "Relatório Yanomami 82", de 1982, que serviu de base para a criação do parque ianomâmi, dez anos depois.


MARCADOS
Autora: Claudia Andujar
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 79 (154 págs.)

MARCADOS
Quando: abertura no dia 8/9, às 20h; de ter. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 10h às 17h; até 4/10
Onde: galeria Vermelho (r. Minas Gerais, 350, SP, tel. 0/xx/11/3138-1520); livre
Quanto: entrada franca