domingo, 28 de junho de 2009

Paisagem


Fotos: Flávio Dutra

"Olha, descobre este segredo: uma coisa são duas – ela mesma e sua imagem".

Carlos Drummond de Andrade
Do prefácio do catálogo da exposição “Alécio de Andrade”, no Instituto Moreira Sales até 26/07.

sábado, 27 de junho de 2009

Da Folha de SP (5) - Chris Marker, polaroids e lomografia


Cenas do curta "La Jetée', um dos raros trabalhos ficcionais do artista francês Chris Marker, realizado com fotografias fixas

Um mito da caverna

O ermitão Chris Marker, cineasta e fotógrafo parisiense que não se deixa fotografar, é tema de duas mostras em São Paulo

SILAS MARTÍ - DA REPORTAGEM LOCAL

Chris Marker se esconde atrás do sorriso de um gato. Não se deixa fotografar e deu sua última entrevista, evasiva até não poder mais, no Second Life. Diz que se informa pela Al Jazeera e pelo canto dos passarinhos do 20º arrondissement. Dá suas opiniões nas tiras do gatinho Guillaume, que publica em jornais franceses.Nascido Christian François Bouche-Villeneuve, o parisiense de 87 anos simplificou até o nome para o sintético Chris Marker. Prefere o silêncio à fala, a tarja preta no lugar de imagens que não interessam.Duas mostras em São Paulo vão tentar jogar luz sobre o ermitão Marker. Começa amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil um festival com 33 de seus filmes. Em julho, o Museu da Imagem e do Som abre mostra com 200 fotografias de Marker feitas entre 1952 e 2006. Uma galeria de Nova York e outra de Moscou também fizeram há pouco retrospectivas da obra do artista.Marker não saiu de Paris e seguiu por e-mails lacônicos os preparativos. "Ele é famoso pela reclusão", diz Bill Horrigan, que cuidou da mostra no MIS e diz ser o único curador a fazer contato, uma vez por ano, com Marker. "Ele protege sua privacidade num grau excessivo."Também exagera nas doses de modéstia. Marker não se considera um cineasta, mas já ganhou o Urso de Ouro em Berlim por "Descrição de um Combate", de 1960. Filmou com Alain Resnais e Jean-Luc Godard, mas diz que só eles são diretores de verdade. Também não se diz fotógrafo, como foi seu amigo Henri Cartier-Bresson. Ele não gosta de alarde.Talvez porque já disse tudo que tem a dizer em "Sans Soleil". No filme de 1982 que extrapolou os limites do documentário, ele dividiu o mundo em listas de coisas elegantes, coisas tristes, coisas que não valem a pena filmar e coisas que fazem bater o coração.Não usa adjetivos, "etiquetas com o preço das coisas". Traduz a ideia de que o "horror tem um nome e tem um rosto" -de Francis Ford Coppola em "Apocalypse Now" e, por extensão, Jospeph Conrad no livro "Coração das Trevas"- à noção de que "a beleza absoluta também tem nome e rosto".Por isso não pensa duas vezes, tanto em seus filmes, quanto nas fotos que faz, em estilhaçar o tempo e manter só a fração, uma das 25 num segundo cinematográfico, detentora dessa beleza ou desse horror.Instantes suspensos"Ele amava a fragilidade desses instantes suspensos, essas lembranças que serviam apenas para deixar lembranças", diz a narradora de "Sans Soleil" sobre o protagonista oculto do filme, numa descrição que cabe sem exagero também a Marker.Ao contrário do cinema tradicional, ele prefere que seus atores e os flagrados nas ruas encarem a câmera. Nas manifestações da juventude parisiense, de maio de 1968 a 2002, na Islândia, em Guiné-Bissau e em Tóquio, sai em busca desses instantes privilegiados.Marker diz que rouba olhares como "um trombadinha rápido, correndo com seu tesouro". Naquele instante, e há centenas deles na mostra do MIS, ele costuma encontrar o que chama de "rosto da solidão"."Naquela fração de segundo, o operário chileno sabia que a fábrica nacionalizada era propriedade sua, o boxeador tailandês sabia que tinha perdido, a esquerdista alemã sabia da derrota de seu partido", escreveu Marker sobre seus retratos.Fez imagens das primeiras eleições na Alemanha depois da queda do Muro de Berlim, de ativistas no Brasil, do início da Perestroika em Moscou, mas não chama sua obra de política. "A política não me interessa", diz. "Me interessa a história."E a memória. Registrou a mesma esquina de Paris em 1961 e 2001 para mostrar como cresceu ali uma árvore, enquanto o resto do mundo permaneceu igual. "Nós não lembramos, recriamos a memória, como recriamos a história."Ele acredita na fabricação da narrativa e do real, usando a memória como motor estético. Em "La Jetée", filme de 1962, seu melhor exemplo desse tempo desconstruído e refeito, usou só os fotogramas cruciais para contar a história."É preciso que o abandono seja uma festa, que o adeus receba também uma cerimônia."

Marker reescreve cenas do passado

PEDRO BUTCHER - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Não é o passado que nos domina, são as imagens do passado." Epígrafe do filme "O Túmulo de Alexandre", a frase do pensador e crítico literário George Steiner poderia se aplicar a toda a obra do artista francês multimídia Chris Marker.Ao reinventar e recontextualizar materiais captados por outras pessoas, em outros tempos, não raro misturando imagens colhidas por ele mesmo, Marker confere aos registros do passado nova potência e atualidade, retirando deles sua condição de fantasma.Nascido em 1921, na França, Marker é de uma geração formada pelo cinema (e pelos traumas da Segunda Guerra).Mas, possivelmente, foi o único "cineasta" de sua geração capaz de abraçar de imediato as novas tecnologias da imagem, sem se atrelar à película. Uma decisão que contribuiu para mantê-lo à margem, mas que, com o tempo, mostrou-se visionária.Uma ideia de cinema, no entanto, sempre serviu de baliza para seu trabalho: aquela do filme-ensaio, proposta pelo cineasta russo Sergei Eisenstein.Para além da montagem dialética, a operação envolve novas conexões que incluem, sobretudo, o som. Não por acaso, boa parte de seus filmes é narrada em primeira pessoa.Marker não é um "cineasta político", mas um pensador e poeta da história. Em rara entrevista ao jornal francês "Libération", em 2003, ele falou sobre o estigma do diretor engajado: "Para muitos, engajado quer dizer político, e a política, arte do compromisso -o que lhe diz respeito de fato. Retirado o compromisso, só existem relações de força bruta (...). O que me apaixona é a história, e a política me interessa somente na medida em que ela é o recorte da história no presente".Mesmo "La Jetée" (a plataforma), um de seus raros trabalhos ficcionais, realizado com fotografias fixas, fala da questão do tempo. O ponto de partida são duas imagens presentes na memória do personagem central, sobrevivente de uma hecatombe nuclear: o rosto de uma mulher e a morte de um homem. Mas o passado, aqui, é também futuro -uma bela síntese dos objetivos de Marker.Em meio a uma obra farta, que mistura suportes e, em alguns casos, liberta-se da projeção diante de uma plateia (ele foi um dos primeiros artistas a produzir um CD-Rom, por exemplo), dois filmes se destacam na mostra do Centro Cultural Banco do Brasil. Não por acaso, são reflexões sobre o comunismo e sua derrocada: "O Fundo do Ar É Vermelho" (1977), e "O Túmulo de Alexandre" (1992). O primeiro é um épico de três horas, movido pelo contraste entre os movimentos de esquerda do fim dos anos 60 e o autoritarismo soviético, tomando como ponto nevrálgico maio de 68, na França, e a invasão de Praga, em agosto daquele mesmo ano. O uso do material de arquivo é assombroso.O segundo é formado por seis cartas dirigidas ao cineasta russo Alexandre Medvedkine, autor de "A Felicidade" (1934), uma figura que, na visão de Marker, foi injustamente excluída dos cânones cinematográficos. (detalhe: "A Felicidade" também está na mostra).Merecem atenção, ainda, "As Estátuas Também Morrem" (1953), correalizado com Alain Resnais, "A.K." (1995), belíssimo filme sobre as filmagens de "Ran", de Akira Kurosawa, e "Um dia de Andrei Arsenevich" (1999), sobre Andrei Tarkovski.

MOSTRA CHRIS MARKER: BRICOLEUR MULTIMÍDIA Quando: a partir de amanhã, até 5/ 07; qua. a dom. (bb.com.br/cultura)Onde: Centro Cultural Banco do Brasil - São Paulo (r. Álvares Penteado, 112, tel.: 0/xx/11/ 3113-3651)Quanto: R$ 4 (classificação: 12 anos)
Fonte: Folha de SP, do dia 23/06/2009.


Projeto tenta resgatar fábrica de filme Polaroid
DA REPORTAGEM LOCAL

Em junho de 2008, foram fechadas as duas últimas fábricas de filmes para a Polaroid -câmera famosa pela revelação instantânea das fotos. Logo, um grupo juntou-se para não deixar "uma das maiores invenções da história da fotografia morrer", disse Marlene Kelnreiter, uma das fãs da máquina à Folha, por e-mail.Eles idealizaram o The Impossible Project, compraram uma fábrica holandesa que encerrava as atividades e querem, até 2010, desenvolver a tecnologia para que as Polaroids antigas tenham suprimentos novos para funcionar.As fotografias em papel que se autorrevelam farão um contraponto "ao entediante mundo da fotografia digital", para Kelneiter."As pessoas amam poder tocar e cheirar a imagem no nosso mundo virtual. Além disso, é pura mágica ver como a Polaroid se revela -e os instantâneos são sempre bons para uma surpresa."O projeto, idealizado por Florian Kaps, ex-dirigente da Sociedade Lomográfica Internacional está com o cronograma adiantado. Em setembro, espera-se, os primeiros protótipos do novo filme poderão ser testados.A página na internet http://www.the-impossible-project.com/ conta mais sobre a iniciativa e vende camisetas temáticas que "financiam diretamente" o reativação da fábrica holandesa.

Fonte: Folha de SP, do dia 22/06/2009


Câmera soviética roda o mundo em corrida
Fotógrafo propõe jogo para conhecer lugares

GUSTAVO VILLAS BOAS - DA REPORTAGEM LOCAL

Eles ainda gastam dinheiro com filmes fotográficos. Eles compram câmeras em antiquários. Eles vão promover uma corrida global, com dez equipes, de países tão distintos quanto podem ser Brasil e Irã, para mostrar, com fotos inusitadas, suas cidades.Quem vai se mexer nessa corrida são as máquinas. Mais especificamente, a cultuada Lomo Kompact Automat, ou LC-A. A primeira delas nasceu há 25 anos, em uma fábrica estatal da antiga União Soviética.No Brasil, a artista plástica carioca Rebeca Rasel vai receber uma dessas câmeras para a corrida. A LC-A é o símbolo da lomografia, movimento que prega o uso de filmes analógicos e os resultados inusitados "com cores saturadas, fantasmas, efeitos estéticos interessantes", diz Rasel, frutos do acaso -ou da tecnologia ruim das fábricas comunistas.Praga, 1991As Lomo Kompact só viraram objetos de desejo de artistas e fotógrafos experimentais em 1991, quando estudantes vienenses as descobriram em Praga (ex-Checoslováquia). Rapidamente se popularizaram, e, em 1992, estava fundada a Sociedade Lomográfica Internacional, que promove a corrida global e vende câmeras do tipo.Seu site, www.lomography. com, é ponto de encontro de uma comunidade estimada em 1 milhão de membros.Os 25 anos da câmera soviética movimentaram a comunidade. Um dos objetivos da corrida é "celebrar a foto analógica e a LC-A", diz Matt Charnock, o idealizador da atividade.Sem dinheiro para viajar pelo mundo, o fotógrafo, que mora na Inglaterra, pensou em enviar aparelhos para que pessoas registrassem suas cidades -ideia encampada pela Sociedade Lomográfica.Com isso, aparelhos foram enviados para entusiastas da lomografia na América, na Europa e na Ásia. Rasel será a primeira a receber a câmera destinada à equipe da América do Sul, composta por nove brasileiros e um chileno.Cada um dos membros deve cumprir algumas missões e passar a LC-A para o próximo de uma lista. Mais do que competição, a corrida visa a "diversão", diz Charnock.Rasel, que já expôs suas lomografias, feitas em parceria com a também artista Márcia Abreu, acha "fascinantes" os efeitos do acaso e defende o "prazer estético obtido com a tal imagem", mas diz que "não basta tirar qualquer foto para dizer que é arte. É interessante estudar uma poética, ter um tema". A viagem das Lomo Kompact Automat -que terão um localizador GPS embutido- pode ser acompanhada pela página da Sociedade Lomográfica. As fotos de Rasel, em mar ciarebeca.blogspot.com.

Fonte: Folha de SP, do dia 22/06/2009

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Ensaio (II) - Eduardo Seidl



Lavoura Seca
A face oculta da celulose

Texto e fotos de Eduardo Seidl**

As empresas de celulose chegaram ao estado no início da década como a solução para um problema que começava a tomar as páginas dos jornais: a pobreza da região sul do estado. Com promessas de geração de emprego, desenvolvimento, enriquecimento para todos e apoio governamental irrestrito, as lavouras de madeira para celulose cresceram com a mesma rapidez e irresponsabilidade das licenças ambientais.

Patrocinando quantidade de meios de comunicação, empresas de celulose blindaram pautas positivas multiplicadas pela mídia. Imitações de livros didáticos foram presenteadas para escolas públicas em todo estado. A estratégia parecia estar muito bem armada até serem surpreendidos pela quebra do jogo econômico no qual se sustentavam.

As experiências vividas com o vizinho Uruguai não serviram de exemplo. A paisagem da pampa mudou. As práticas econômicas também. Diversos produtores rurais trocaram os rebanhos e lavouras de alimento pelas fileiras de árvores exóticas. O arrependimento atinge boa parte desta população. As perdas com as bolsas comprometem metas de produção e preços da matéria prima para celulose. A biodiversidade já está ameaçada. Em alguns lugares do estado, areais crescem diariamente. A desertificação da pampa já está em processo. O que fazer com hectares de tocos de eucalipto em terras secas? A retomada das tradicionais produções não receberá os subsídios e incentivos que teve o plantio de eucaliptos.

Todavia, não se fala das conseqüências econômicas e ambientais disto de forma contextualizada. A intensidade da afiada seca pode não ser só a conseqüência da falta de chuvas. A proliferação de tantas gripes e febres pode não ser só culpa do porco.

** Eduardo Seidl é repórter fotográfico do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre. Este ensaio é o "Ensaio" (!) do Jornal da Ufrgs do mês de junho/2009.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Dona Anna, dona Aracy (2)


Dona Aracy, dona Anna

Dona Anna me ligou hoje pedindo as fotos. "Mas eu já lhe mandei as fotos, Dona Ana." "Entregou duas, mas eu quero TODAS as outras! Pode fazer tudo duplo, pra mim e pra Aracy. E depois só me diz quanto foi, não tem problema. Mas me avisa antes, por que não uso cheque, não tenho cartão de crédito e comigo é tudo em dinheiro sonado!" "Tá bom, dona Anna vou fazer as fotos e levo aí pra senhora." "Certo, meu filho. Mas traz até o final do mês porque o filho da Aracy vai casar e ela vai embora pra Belo Horizonte". "Mas deixa eu te contar uma do remédio, antes de desligar: eu tive um AVC em outubro, mas pouca coisa, o único problema é que tô meio sem memória, a casa tá toda cheia de bilhete pra me lembrar do que esqueço. Aí, outro dia, fui no banco e a Jacira, a moça da caixa, me perguntou qual era o remédio que eu tava tomando. E eu lembrava? Sabia que tinha a ver com tango, mas não lembrava o nome. Pensei, pensei... tango... Carlos Gardel... Gardel.... GARDENAL! Lógico! Assim não dá pra esquecer! Traz as fotos logo, viu meu filho?"

:) :) :)

Pra entender essa história é bom olhar uma postagem mais antiga, no link http://flaviodutra.blogspot.com/2008/07/dona-anna-dona-aracy.html

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Fahrenheit 451

Na última parte do semestre da disciplina de Fotojornalismo da Unisinos os alunos apresentam seminários sobre temas diversos ligados a fotógrafos, fotojornalismo, documentarismo, fotografia e comunicação. Os primeiros grupos começaram as apresentações na semana passada. Pra mim, este é um momento que sempre pode ser brilhante: a possibilidade de estudar um assunto, aprofundá-lo, e, se formos generosos, bem compartilhá-lo com um "público" que, em princípio, deveria ser interessado, se não por fotografia, por temas relativos à comunicação, ao menos. E, ainda, de quebra, exercitar uma das coisas que nos faz MAIS humanos: sermos criativos. E evitarmos o que nos faz MENOS humanos: a rotina e sua filha pródiga, a modorra.
Um dos trabalhos apresentados foi sobre Sebastião Salgado, certamente uma referência quando se fala em fotografia brasileira, goste-se ou não. Em uma parte do trabalho, Natacha, Juliana e Bruno** pediram para que fotógrafos e pesquisadores brasileiros (e um português) escolhessem uma foto do "Tião" e escrevessem o porquê da escolha. Chamaram isso de "Fahrenheit 451" baseados na idéia do livro de Ray Bradbury (segundo a Wikipedia, "o romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas anti-sociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag, trabalha como “bombeiro” - o que na história significa “queimador de livro”. O número 451 refere-se à temperatura, em Fahrenheit, a qual o papel ou o livro incendeia."). Ficou SEN-SA-CIO-NAL! Pedi a eles autorização para reproduzir aqui as fotos escolhidas e as opiniões que eles colheram. Vai abaixo.

**Compilação de depoimentos feita por Juliana Chaves, Natacha Kotz e Bruno Alencastro, a partir da pergunta: se você pudesse salvar (preservar para a prosperidade) apenas uma fotografia de todo o trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado, qual imagem você guardaria? Por quê?

Izan Petterle
Colaborador da National Geographic Brasil
Sintetizar o trabalho do salgado em apenas uma foto é algo umtanto complicado para mim, até porque gosto muito da fase atual dele, a de documentar o que sobrou da natureza intocada do planeta. Inspira-me isso, a capacidade de reinvenção que um artista deve ter. Ele teve muita coragem para abandonar a temática social que o consagrou.
Penso que ele aparece como um Ansel Adams dos tempos modernos, suas imagens tem a classe e a maestria dos grandes mestres da fotografia, mas suas fotos são carregadas de uma forte ideologia contemporânea, como um manifesto engajado na preservação da nossa própria espécie, provavelmente a mais ameaçada de extinção.

Alexandre Belém
Editor do Blog Olha, Vê
A foto que escolhi é a de umas crianças vestidas de anjinhos em Juazeiro do Norte (CE), que foi feita em 1981. Escolhi ela por uma questão de memória. Essa foto é uma das primeiras que vi de Salgado.
Na realidade, quando conheci o trabalho de Salgado, por volta de 1991, comprei o livro As Melhores Fotos - Sebastião Salgado (Boccato Editores, 1992).
É uma compilação maravilhosa. Para mim, a melhor época de Salgado. O livro tem todas as clássicas que construíram o mito Salgado. São imagens soltas, leves e que nos mostra belas fotos e histórias. Se pudesse, salvaria o livro.

Ricardo Chaves
Editor de fotografia do jornal Zero Hora
Eu escolheria o ensaio do Sebastião Salgado sobre Serra Pelada. Seria difícil selecionar só uma, mas qualquer dessas duas podem representar o todo.
Escolho isso por ser no Brasil e também pelo significado que o garimpo tem como sonho. São (eram?) brasileiros miseráveis que buscavam uma vida melhor. Isso já não está lá, mas continua sendo um sonho nacional.

Luiz Eduardo Robinson Achutti
Fotógrafo e professor do Instituto de Artes (UFRGS)
Assim, sem pensar muito, nem voltar a olhar as fotos dele que há tempos não olho, eu lembrei daquela do gordo lambuzado em frente a uma roda enorme. O contraste é bom, de alguma forma ela cita uma outra grande foto do Lewis Hine que já foi citada pelo Chaplin no “Tempos Modernos”, se não estou enganado.
O Salgado evoca muito, e não por acaso, a documentary photography americana do princípio do século passado. O seu “Workers” é uma retomada, muitos anos depois do “Men at Work”. O Salgado é inteligente e esperto.

Maria Wagner
Editora de Cultura do Jornal do Comércio
Guardaria a imagem da trilha humana na Serra Pelada, que dá corpo à humilhante peregrinação de uma parte da população brasileira, escrava em 1986 e ainda hoje da política corrupta que impede a democrática distribuição de renda e o acesso à educação que liberta.
Essa fotografia emociona. É miséria humana serpenteando morro acima, num esforço danadamente além do puramente humano. Acho comovente.


Walter Firmo
Fotógrafo carioca
O trabalho de Sebastião Salgado é encantador sob todos os aspectos. É um humanista afeito as delações e tributos conferidos no sabor amargo da luz transcodificando certo olhar miserável, mas complacente na denúncia que ali ou aqui certa pessoa física sofre e se desampara.
Eu gosto de muita coisa dele, porém, fico com as fotos do livro de Outras Américas.

Eneida Serrano
Fotógrafa gaúcha
Provocada por teu projeto, saí a conhecer mais fotos de Sebastião Salgado. Como deve ter acontecido à maioria dos que se envolvem com o trabalho dele, escolher apenas uma foto torna-se muito difícil.
Pensei, primeiro, em preservar um pouquinho de esperança ou dignidade, nos olhares de algumas crianças ou alguns velhos fotografados por ele. Depois, achei melhor a eloqüência das fotos trágicas, mas belas por sua luz e sua composição perfeitas. Elas gritam, são definitivas.
No entanto, descartei-as também porque imagino que serão escolhidas por muitos, pois são fotos muito atraentes, instigantes.
Acabei optando pela pior imagem que vi, onde o ser humano é mostrado como lixo. É uma foto que supõe a presença de outro ser humano capaz de mover aquela máquina que remove e empilha corpos de refugiados, vítimas da fome ou de doenças, no caso em Ruanda, mas, principalmente, vítimas da nossa indiferença.
Escolhi essa foto com vergonha da nossa contemporaneidade. Queria ter um pouco de esperança no futuro ao manter essa horrível lembrança.

Fernanda Chemale
Fotógrafa gaúcha
Escolho a imagem desta criança menina, pela postura que ela tem, senhora de si.
Enquanto criança carrega a semente do homem. Enquanto menina e mulher guarda o legado cultural e a perpetuação.

Fernanda Rechenberg
Fotógrafa e Doutoranda em Antropologia Social
A obra do Salgado é extensíssima, e é mesmo difícil conhecê-la por completo, mas eu vou destacar aqui uma fotografia, uma das primeiras que conheci de sua obra, que sempre me impactou.
Escolhi esta fotografia, não por ser, no plano da racionalidade, uma “boa” fotografia. Até porque as imagens de Salgado nos trazem sempre lições de mestre no domínio da luz natural, do instante decisivo, na relação com o sujeito fotografado e outros aspectos importantes do fazer fotográfico.
Essa tampouco é uma foto “bonita”. Ela é triste. E impactante. Porque os grandes olhos dessas crianças não vêem apenas o estrangeiro que lhes retrata.
Esses três olhares falam da condição humana, no espanto de uma vida que ainda não se conhece, que está por vir, por enfrentar, nas duras condições da África. Nos indagam a possibilidade de continuarem existindo. Acho que é uma foto que nos toca em nossa humanidade.

Rodrigo Marcondes
Coletivo Garapa
Engraçado, nos tempos de faculdade eu tinha um pôster dessa foto do Salgado no meu quarto de república estudantil.
Era um retrato do livro Terra, que tinha sido exposto no Átrio da Universidade, e despertado em mim um olhar sobre a fotografia que eu nunca tinha tido.
O personagem da foto é um trabalhador rural, que dentro de um galpão ou armazém, olha fixamente para dentro da câmera. A expressão séria, quase ameaçadora, é reforçada pelo facão que ele segura na mão direita (se me recordo bem). A foto é vertical e revela o dorso forte e nú do homem, que veste uma calça jeans e nada mais.
Consigo ver o personagem da foto olhando pra mim, recordo até da luz que entrava pela janela e insidia sobre o pôster na parte da manhã ... Essa é a imagem que eu levaria para a posteridade.


Pio
CIA DE FOTO
A gente salvaria o trabalho Outras Américas. Se tivéssemos que salvar apenas uma? Tarefa difícil, pois um argumento não se sustenta por uma imagem!
Mas ficaríamos com a foto da "Santa Ceia", Brasil, 1981. Essa foto ilustra muito bem o trabalho dele. Sua culpa católica e composição sacra.
Tudo que ele fez depois, “Imagrations”, “Workers”, “Sem Terras”, serviu de alguma forma para confirmar o Outras Américas, e, em nossa concepção, nunca conseguiu superar esse trabalho.
De uma forma, sua história profissional ganhou força e efeitos maiores, mas se voltarmos a uma relação mais pura com a fotografia, mais "low profile" (se é que isso é possível!), o trabalho dele estagnou.
Cresceu em proporção, alcance, estrutura, mas ficou aquém do Outras Américas.
Observamos que somos admiradores da obra dele, mas quando detalhamos essa obra, enxergamos fases que nos emocionam mais.


Jorge Pedro Sousa
Investigador e professor de Jornalismo na Universidade Fernando Pessoa
Tecnicamente perfeita, esta fotografia profundamente humanista e até redentora de Sebastião Salgado evoca a suprema dignidade do ser humano mesmo em situações-limite.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Da Folha de SP (4) - Álbuns de família


Foto: Flávio Dutra

Álbuns de família

RUY CASTRO

Na imprensa do passado -aliás, nem tão passado; até outro dia era assim, pelo menos nos jornais populares-, valia tudo para capturar uma ou mais fotos de um morto em desastre importante. O primeiro passo era entrevistar a mulher e os filhos da vítima e pedir emprestado o álbum de família. A mulher, compreensivelmente, relutava. O repórter prometia devolvê-lo, voltava para o jornal com o troféu e, arrancadas as fotos que interessavam, o álbum se perdia nos desvãos da redação.Caso a família se recusasse a emprestar, a ordem era roubar o porta-retrato sobre a cômoda. Assim, garantia-se a foto e se impedia que a concorrência a tivesse. Como a maioria dessas fotos era de estúdio, posada, tipo retrato para passaporte, os mortos costumavam ter um ar solene e oficial. A imprensa era cruel.Hoje, não é mais necessário ferir uma família surrupiando-lhe as fotos do ente querido. Basta saber o nome do indigitado. Se ele é importante o suficiente para sair no jornal, sua foto estará no Google ou em algum "site de relacionamento". E nem precisa ser famoso. A quantidade de imagens circulando pelo ciberespaço é abundante e, com dois ou três cliques, está ao alcance de qualquer diretor de arte.Ao contrário dos mortos do passado, sempre de colarinho e pescoço duros, quase que posando para o medalhão do próprio jazigo, os de hoje estão disponíveis em cores, felizes, fotografados em alguma ocasião festiva. Protagonizam momentos que eles quiseram partilhar com os amigos. São essas as fotos que agora ilustram as reportagens sobre as grandes catástrofes.São essas as fotos das vítimas da queda do Airbus da Air France que a imprensa tem dado. Doem mais porque, nelas, as pessoas estão radiantes de despreocupação e de confiança no futuro.

Fonte: Folha de SP, de ontem, 10/06/2009.

domingo, 7 de junho de 2009

Ensaio (I) - Natália Tonda



Há (já!!!) cinco anos edito uma página no Jornal da UFRGS que chamamos de "Ensaio". Nada muito novo, uma página de fotografia em uma revista (é um jornal, mas é uma revista, por que é mensal, com reportagens sempre buscando aprofundamento de temas que, no geral, passam batidos ou apressados pela "grande imprensa"). Vou tentar apresentar aqui os ensaios que fizemos neste tempo, quase sempre procurando mostrar a diversidade do que se pode fazer com fotografia, de fotojornalismo-a-arte-a-fotojornalismo-a-arte seja lá quais forem as diferenças entre ambos.
O primeiro que mostro é da edição de abril/maio, da fotógrafa Natália Tonda, paulistana que está em Porto Alegre, fazendo o curso de Fotografia na Unisinos.
Para ficar completo, seria legal ver as fotos ouvindo King of the Dogs, do disco Preliminaires, do Iggy Pop. :)

Lomografias
Texto e fotos de Natália Tonda

Acostumei-me a encontrar beleza na desordem morando em São Paulo e convivendo com isso diariamente. Coisas para as quais olhamos e não vemos. Para alguns, fugir do caos e da desordem, é o grande desafio. Juntar os dois e transformar em expressão, pode ser quase inimaginável. É isso que procuro colocar em minhas imagens: o feio, o esquecido, o caótico, o desgasto. Através da lomografia, como mostram as imagens desta página, tenho encontrado resultados tão incertos quanto as imagens do dia-a-dia. Da imprecisão do clique até a hora em que o químico revela o positivo, a ansiedade em saber o resultado toma conta de todos os planos da imagem. O resultado é sempre surpreendente. Lomografia é um termo derivado de LOMO (Leningradskoye Optiko Mechanichesckoye Obyedinenie), câmeras não- convencionais, muita vezes chamadas de “câmeras de brinquedo”. Para mim, é como projetar a sensação de sonho em atividades simples do cotidiano. Transformar o caos em fotografias contrastadas e cheia de cor.
Na Lomo, seu apelido afetivo, a lente Minitar é capaz de gerar um brilho diferente na imagem. Por outro lado, o seu modo de exposição automática do filme, mesmo em difíceis condições de luz e sem a utilização do flash, torna mais fácil entender por que esse tipo de fotografia atrai um público cada vez mais amplo, que vai de quem tem prática com câmeras sofisticadas até quem nunca teve intenção em se dedicar à fotografia. A característica deste tipo de câmera é incentivar a busca de um olhar próprio e de instigar o desejo por imagens diferentes. E, claro, dar mais chance ao acaso, ao erro, ao incerto como forma de expressão.







quinta-feira, 4 de junho de 2009

Tiananmen 20 anos


Foto: Jeff Widener


As datas "redondas" servem, ao menos, para nos lembrar de fatos, notícias, ações e questões que pela nossa loucura cotidiana vamos deixando para trás, o show tem mesmo que continuar.
Hoje faz 20 anos que uma das cenas mais reprisadas do fotojornalismo e do jornalismo televisivo foi feita: a imagem do "homem-que-parou-os-tanques", na praça Tiananmen, em Pequim (ironicamente, na tradução, a Praça da Paz Celestial).
Além da brutal disparidade de poder - um homem a pé contra vários tanques de guerra - a imagem nos leva para dentro dela por outros detalhes: o sujeito está vestido como quem saiu para as compras da manhã (ele tem algumas sacolas plásticas nas mãos), está vestido com uma singela camiseta branca, está sozinho, e, principalmente, parece afrontar poderes que nos massacram o tempo todo e aos quais não vemos maneiras de resistir.
As informações que se têm dão conta de que o personagem da imagem nunca foi identificado, não se sabe qual foi o seu destino ou mesmo se sobreviveu àquele dia - no dia anterior, o governo chinês havia invadido a praça para abafar um protesto estudantil que pedia reformas democráticas, o que resultou em centenas de mortos. Ao que parece, também, na China, pelo bloqueio de informações e censura imposta pelo regime, essa não é uma imagem conhecida ou mesmo reconhecida pelos jovens como parte da história do país.
Por outro lado, os bastidores de como a fotografia foi feita é cheia de nuances e de interesse para quem gosta de fotojornalismo e informação. No link http://lens.blogs.nytimes.com/2009/06/03/behind-the-scenes-tank-man-of-tiananmen/, do blog de fotojornalismo do NY Times, foi postado um texto com o relato de quatro fotógrafos que estavam no local e que fizeram, de um mesmo ponto de vista mas de maneiras diferentes, o registro daquela situação. Tempo de filme, câmeras mecânicas, lente 400mm, duplicador, asa errada, e o melhor: o velho pavor da foto 36...
Além disso, para quem quiser lembrar, no link http://www.youtube.com/watch?v=yyj-3S_ulvI&NR=1, está publicada uma reportagem de TV feita nos EUA a respeito dos massacres de Tiananmen e também sobre o enfrentamento do homem com os tanques.

- Atualizando 1 (5/06, 11h): Depois do post no blog do NY Times, um fotógrafo mostrou uma foto que nunca havia publicado, feita do nível do chão, de um ângulo totalmente diferente das outras. A foto e o depoimento de Terril Jones pode ser vista em http://lens.blogs.nytimes.com/2009/06/04/behind-the-scenes-a-new-angle-on-history/.

- Atualizando 2 (5/06, 16h): o Le Monde postou um documentário sobre os eventos da Praça Tiananmen com imagens de fotógrafos da Magnum. Pode ser acessado em http://www.lemonde.fr/asie-pacifique/visuel/2009/05/25/generation-tian-anmen-avoir-vingt-ans-en-chine_1195170_3216.html