Números identificavam os vacinados
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos anos 80, artista fez mais de mil imagens dos ianomâmis, que sofreram com chegada de doenças depois de 1974. Claudia Andujar identificou índios sem nome e que se deslocam constantemente; "As coisas estão piores", diz artista sobre situação atual
Em 1944, aos 13 anos, na Transilvânia, Hungria, a fotógrafa Claudia Andujar percebeu que uma marca iria determinar o desaparecimento de muitas pessoas ao seu redor -pai, avós e seu primeiro namorado, Gyuri, todos carregavam a estrela de Davi em amarelo costurada na roupa.Num primeiro encontro numa praça pública, em junho daquele ano, os dois confessaram os sentimentos e se beijaram."Era o nascimento do amor", diz Andujar. Interrompido pela história que se conhece, o romance continuou visível apenas num retrato de Gyuri, que a artista carregou num medalhão que pendia em seu pescoço.Quase 40 anos depois, Andujar viu-se novamente envolvida com marcas, só que dessa vez era ela quem criava os sinais.Em 1981, junto de dois estudantes de medicina, ela deu início a um projeto de saúde entre os índios ianomâmi, na Região Norte do Brasil.Durante três anos, em distintos momentos e em difíceis recantos da selva amazônica, a pequena expedição vacinava comunidades que estavam fadadas a morrer pela contaminação com doenças trazidas pela invasão branca.Enquanto os estudantes vacinavam, Andujar fotografava os índios com números. "Como eles não usam o nosso sistema, não têm nome e são chamados pela relação de parentesco, nós passamos a numerá-los para criar uma forma de identificação", conta ela.Foram mais de mil retratos, realizados em mais de cem aldeias. No próximo dia 8, cerca de cem dessas imagens serão lançadas no livro "Marcados", com texto de Stella Senra, pela editora Cosac Naify, e serão vistas numa exposição com as fotografias na galeria Vermelho.
Anos 70
"Eu não via essas imagens como um trabalho artístico, era um projeto de saúde a favor dos ianomâmis", conta Andujar. Ela conhecera esses índios em 1970, quando realizava uma reportagem para a revista "Realidade" sobre a Amazônia."A publicação foi questionada pelos militares. Muitos jornalistas pediram demissão e eu decidi não mais trabalhar com fotojornalismo", conta a artista hoje, em seu apartamento na avenida Paulista.No ano seguinte, ela conseguiu uma bolsa da Fundação Guggenheim para voltar a encontrar os ianomâmis, até então isolados do contato."Eu queria entendê-los como povo e como cultura", diz ela, que registrou esse envolvimento em mais de 50 mil imagens, entre 1971 e 1977."Eu só voltava a São Paulo para revelar os negativos e ampliar as fotos", ri, como se relatasse um processo arcaico - o que de fato hoje é. Nesse período, contudo, ela se tornou testemunha de um processo de dizimação dos índios, pois com a construção da Perimetral Norte, em 1974, os ianomâmi entraram em contato com doenças como o sarampo e começaram a morrer em decorrência delas.Andujar tornou-se, então, militante da causa ianomâmi ao se identificar com sua história: da mesma maneira que ela se deslocou pelo mundo em busca de um território -nasceu na Suíça, viveu na Hungria e nos Estados Unidos até chegar ao Brasil, em 1955, eles também circulam por várias áreas, cada vez que a caça acaba ou o solo já não serve mais.Expulsa da região pela Funai, em 1977 ("Como eu visitava as aldeias onde muitos índios morriam, achavam que eu queria denunciar o governo"), ela passou a defender a demarcação do parque ianomâmi, o que foi conseguido de fato apenas no ano de 1992.E a saúde dos índios, melhorou? Andujar, que segue em contato com eles, mostra um documento do ano passado, enviado ao ministro da Saúde pela Associação Yanomami Hutukara. O registro aponta o recrudescimento da malária e mostra que o índice de crianças vacinadas de até 1 ano é de apenas 20%. "As coisas estão piores."
Série ajudou a fundamentar tema da 27ª Bienal de São Paulo, em 2006
A série "Marcados", de Claudia Andujar, foi vista pela primeira vez na 27ª Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", em 2006. Realizadas para um projeto de saúde, as imagens chegaram ao campo artístico na mostra que tematizava o rompimento de limites entre arte e vida, a partir de Hélio Oiticica. "A escolha de Marcel Broodthaers como um dos eixos da exposição me permitia realizar uma crítica ao museu e à exposição por meio do significado de montar e mostrar um acervo. Vejo os "Marcados" como uma enciclopédia pessoal que se tornou universal", avalia Lisette Lagnado, curadora da 27ª Bienal de São Paulo. O livro traz um texto da pesquisadora Stella Senra. Para ela, "a documentação [dos marcados] não está relacionada do mesmo modo com o ato de fotografar. Ela é uma exigência da ação (a luta pela demarcação, o cuidado com a saúde dos ianomâmis) -mas de uma ação que é eticamente inseparável do trabalho fotográfico". A publicação traz ainda trechos de um documento de 219 páginas, o "Relatório Yanomami 82", de 1982, que serviu de base para a criação do parque ianomâmi, dez anos depois.
MARCADOS
Autora: Claudia Andujar
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 79 (154 págs.)
MARCADOS
Quando: abertura no dia 8/9, às 20h; de ter. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 10h às 17h; até 4/10
Onde: galeria Vermelho (r. Minas Gerais, 350, SP, tel. 0/xx/11/3138-1520); livre
Quanto: entrada franca
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