sábado, 30 de agosto de 2008

Da série Livros de Fotografia (1)



Da Carta Capital, de alguma semana de agosto/2008 (dica do Mateus Bruxel)


Na Nova York dos anos 60, um ancião entrega ao recepcionista do Museu de Arte Moderna duas sacolas de compras cheias de fotografias. O curador do museu não reconhece o homem, mas a secretária lê no cartão de visita o nome do húngaro André Kertész. O curador está perplexo. Jura que o fotógrafo de rua morreu três décadas antes.

O artista, contudo, está vivo e infeliz àquela altura, e morrerá apenas aos 91 anos, em 1985. Por uma década e meia, até 1962, ele vivera sem que nenhuma proposta de exposição lhe fosse feita em terra americana, aquela onde ele escolhera permanecer, vindo da Paris dos anos 30. E isto era de estranhar, já que Kertész, naquele tempo ou em qualquer outro, fora um dos maiores nomes da história da fotografia.

O difícil é saber se a fotografia tem uma história. Arte recente, não foi sistematizada ainda, como a literatura, que se submete a períodos históricos e estilos estabelecidos por teóricos. Quem escreve sobre fotografia usualmente é um apaixonado que não fotografa, como o romancista inglês Geoff Dyer, autor de Instante Contínuo – Uma História Particular da Fotografia (Companhia das Letras, 294 págs., R$ 49).

Dyer fez neste livro um trabalho extenso como observador da arte. O ensaio é uma visão particularíssima de um desenrolar de fotos que o romancista, autor do premiado ensaio de 1991 But Beautiful, sobre o jazz, classifica de forma curiosa, segundo os elementos presentes em imagens que se tornaram clássicas: cercas, bancos, chapéus, cegos, mãos.

O escritor é docemente arbitrário em suas escolhas. Prefere o fotógrafo do mundo da moda e das celebridades Richard Avedon, por exemplo, àquele das estradas e drive-ins, Robert Frank. Em momentos como este, que se repetem no livro, fala como o biógrafo da bossa nova que descarta o acordeão em favor do violão. O fato é que Dyer tem muito a dizer sobre acordeões, especialmente aqueles tocados pelos cegos em sofrimento nos Estados Unidos pós-depressão. Os teclados são como máquinas de escrever, ocupadas em produzir o romance de um tempo ruim.

À moda do que o escritor argentino Jorge Luis Borges fez com os animais, estabelecendo uma categorização “chinesa” para eles, distinguindo, por exemplo, os que “se agitam feito loucos” dos “inumeráveis”, Dyer procura, em primeiro lugar, classificar as fotografias segundo a disposição e qualidade dos chapéus que pululam nas imagens do início do século. Os chapéus são elegantes, amassados ou servem de travesseiros para os pobres sem emprego que dormem na rua. Os chapéus fazem o homem.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Da Folha SP, de uns dias atrás (3, mais precisamente)


Lambe-lambe no morro, escolhido pelo francês após o assassinato de três jovens; o fotógrafo também ressalta que se trata da "primeira favela do Brasil" e que não possui "nenhum centro cultural'


Imagens de conflito

Fotógrafo francês J.R. fala à Folha sobre projeto que já passou pela África e agora estampa retratos de moradores em fachadas e muros do morro da Providência, no Rio

ADRIANA FERREIRA SILVA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Nos últimos dias, o morro da Providência, no Rio, voltou a ser notícia. Mas agora a atenção da imprensa não se voltou para um caso de polícia, como o chocante episódio de junho: eram de lá os jovens entregues à morte por militares a traficantes de um morro vizinho.
No noticiário de agora, o tema são as fotos em preto-e-branco gigantescas que, de um dia para o outro, cobriram encostas e fachadas de casas ao longo do morro. De longe, olhos arregalados destacavam-se em expressões marcantes, encarando quem passava lá embaixo, na avenida Brasil. O autor das imagens, o fotógrafo francês J.R. (ele não revela o nome completo), fugiu dos pedidos de entrevista. Sobre ele, só quem soube foram os moradores do morro. Assim como chegou, foi-se. No seu último dia de trabalho na Providência, no sábado, J.R., enfim, falou à Folha: "As estrelas são os personagens que aparecem nas fotos, os que cederam suas casas. Se eu ficar aparecendo, dando depoimentos, o foco deixa de ser o trabalho." Heroínas O rapaz de 25 anos -que atualmente tem uma de suas fotos gigantes em exibição na parede externa da Tate Modern, em Londres (onde estão também os grafites dos brasileiros osgemeos), e cujas obras fazem parte de coleções como a do artista inglês Damien Hirst- incluiu o Brasil em "Women Are Heroes" (mulheres são heroínas), projeto que já passou por países como Sudão, Serra Leoa, Quênia e Libéria. Daqui, ele segue para Índia, Camboja, Laos e Marrocos. A idéia por trás do trabalho é simples: retratar personagens que moram em áreas de conflito destacadas pela mídia e tentar mostrar o outro lado. "A clássica imagem das mulheres africanas na imprensa é a de pessoas muito tristes, vivendo em extrema pobreza", descreve. "Quando vamos até lá, descobrimos que elas passam por tudo isso com extrema dignidade. A maioria dos homens morreu na guerra e elas estão à frente da comunidade, lutando por suas famílias." Sua intenção ao fotografá-las, e imprimir os rostos em lambe-lambes de grandes dimensões, é desconstruir esse estereótipo. Esse mote é o mesmo de dois projetos anteriores. O objetivo secundário, mas não menos importante, diz J.R., é criar em lugares onde não existe arte. "A situação na Monróvia, capital da Libéria, é caótica", lembra J.R. "A principal ponte está partida ao meio, não há policiamento. Eles estão completamente abandonados à própria sorte. Quero levar arte a locais como esse." As reportagens sobre os três rapazes assassinados levaram J.R. a inserir o morro da Providência em sua rota, mas outras informações contribuíram para a escolha. "Descobri que essa era a primeira favela do Brasil, e, por fim, que ao contrário de outros morros, não há nenhum centro cultural aqui", descreve o francês. Com a ajuda de Maurício Hora, 39, fotógrafo nascido e criado na favela, J.R. passou um mês subindo e descendo ladeiras na Providência, acompanhado de uma equipe que incluía ainda dois fotógrafos e um videomaker -este último, Ladj Ly, integra o time que fez o polêmico videoclipe de "Stress", da dupla francesa Justice. Além da exposição a céu aberto, o trabalho inclui um registro fotográfico de todo o processo e um documentário. Parte do material já está nos sites www.womenareheroes.be e www.jr-art.net/. Entre as retratadas, estão duas mulheres ligadas ao episódio que envolveu o Exército. Rosiete Marinho, 45, foi quem evitou que um quarto rapaz fosse levado pelos militares. "Eles me tiraram de uma grande depressão", fala a cozinheira, encarregada de "cuidar" da equipe. "Me senti realizada de ganhar amigos de tão longe. Nunca vou esquecer." A outra, cuja imagem ficou estampada nas escadarias da favela, é dona Benedita, 68, avó de David da Silva, um dos rapazes assassinados no episódio. "Sou uma heroína sim. Desde que meu neto morreu, estou lutando para resistir. Perdi um pedaço de mim." As duas estavam entre outras mulheres que, no sábado à noite, se reuniram em uma calçada da favela para assistir à projeção das imagens e se despedir do "francês". A sessão terminou em samba. Com churrasco e muita cerveja.
Periferia de Paris deu início ao projeto

DA ENVIADA AO RIO

"Women Are Heroes" é parte de um projeto maior, "28 Millimeters" (nome da lente), que J.R. iniciou em 2005, na França.
Na primeira fase, chamada "Retratos de uma Geração", ele fotografou jovens de periferias parisienses dominadas por gangues. A idéia era mostrá-los assim como a mídia os apresenta: como monstros. Para isso, pediu a eles que fizessem caretas, como uma caricatura. "Queria mostrar a maioria, anônimos que não estão na mídia e não são bandidos."
O processo foi o mesmo realizado no Brasil: após fotografadas, as imagens foram impressas em lambe-lambes e espalhadas por diversos pontos de Paris. Por coincidência, pouco tempo depois a periferia se insurgiu, e o trabalho de J.R. foi citado como "premonitório".
O próximo passo foi desconstruir a imagem que o Ocidente tem do Oriente Médio em "Face to Face", trabalho no qual J.R. registrou palestinos e israelenses que exercem a mesma profissão. "A guerra não permite que eles vejam a si mesmos", acredita o artista. "Fiz retratos de motoristas de táxi, cabeleireiros, professores etc."
Após o registro, as fotos gigantes de palestinos foram coladas em quatro cidades israelenses e vice-versa. Lá, o francês teve problemas: foi preso em Hebron, teve de deixar o local por 15 dias e foi proibido de colar os cartazes no muro que separa os dois povos. No Rio, antes de J.R. iniciar o trabalho na Providência, o também fotógrafo Maurício Hora negociou a permanência da equipe no morro com os traficantes locais.
(AFS)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Da Folha SP, hoje


Scorpion, Scar e Tree Holes, trabalho de Rosângela Rennó

Pena estar longe (e ter tanta coisa para fazer aqui!).


Ciclo de palestras debate a fotografia hoje no mundo

Evento terá curadoria da produtora Cia de Foto e conta ainda com exposição na galeria Vermelho, que será aberta amanhã

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Por que fotografamos? É em torno dessa questão que a Semana da Fotografia 2008 percorre São Paulo de hoje a domingo. Com ciclo de palestras e uma exposição (veja texto nesta página), é o grande evento do gênero no Brasil.

A Semana terá como sede principal a Fnac Pinheiros (pça. dos Omaguás, 34, São Paulo; tel. 0/xx/11/3579-2000). A entrada é gratuita.
As conversas terão início às 18h, com lançamento da revista "FS/Clix". Às 19h30, Lesley Martin fala sobre seu trabalho de curadora. Ela foi responsável por mostrar no NY Photo Festival uma exposição com artistas que trabalham com apropriação de imagens.
Amanhã, a artista Giselle Beiguelman comanda mesa sobre imagem na web 2.0 (às 16h30), enquanto a pesquisadora e fotógrafa inglesa Jane Maxwell contextualiza as produções contemporâneas brasileiras e britânicas, ao lado da fotógrafa Rochelle Costi (às 19h).
Eugenio Bucci, Maria Rita Kehl e Patricia Gouvea falam na quarta-feira sobre o tema "O Tempo na Imagem". "As Misteriosas Formas de Beleza na Fotografia" é o assunto da palestra do holandês Hans Aarsman, na quinta (19h). Mais informações: www.fotosite.com.br/ semana2008sp/index.htm.
Para preencher a Semana, foram contratados como curadores Pio Figueroa, Rafael Jacinto e João Kehl, trio que pilota a Cia de Foto. Essa produtora paulistana ficou bastante conhecida por realizar fotos extremamente autorais, mas assinadas com o nome da empresa, não com o nome do fotógrafo.
"Só na fotografia não existe autoria coletiva. Por quê?", questiona Figueroa. "Esse formato de troca é o mais produtivo tanto comercialmente como no desenvolvimento da linguagem", afirma Jacinto.
Outro ponto que caracteriza o trabalho da Cia de Foto e que alimentará discussões no evento é a questão da finalidade da fotografia. "Queremos contradizer a idéia de que a foto só existe como registro, como documento histórico ou trabalho publicitário. Ela pode ser puro entretenimento, apenas pelo ato fotográfico", diz Figueroa.
"[A fotografia] Tem de se impor como linguagem. Ainda aparece bastante ligada a serviços." Para Figueroa, sua geração (de 30 e poucos anos) "cresceu com uma idéia glamourosa do fotojornalismo".
"A aplicação técnica ou de serviço aprisiona nossa noção de fotografia", aponta Jacinto. "A foto brasileira ainda está ligada a uma concepção modernista, de destacar na obra o nome do autor individual."

Séries remetem à narrativa das imagens

EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Séries que remetem à constituição da fotografia como narrativa, em contraponto à idéia do instantâneo, do momento único flagrado na tentativa de esquadrinhar o mundo a partir do visor da câmera. Esse é um dos motes pelos quais podem ser decifradas as mostras "Casasubu", de Vera Chaves Barcellos, e a coletiva "Provas de Contato", que serão abertas amanhã, na galeria Vermelho, em São Paulo. Barcellos, artista gaúcha que vive em Barcelona, apresenta uma série de 83 fotos alinhadas num mosaico, reapresentando fachadas de casas à beira-mar, em Ubu, na cidade de Anchieta (ES). São casas construídas com toda sorte de materiais, sobras de outras edificações e desenho arquitetônico caótico. A partir da vasta coleção de imagens, Barcellos transgride o código da documentação para intervir sobre as fachadas, eliminando, sobrepondo e trocando elementos entre as casas, em hábeis manipulações pós-fotográficas. As casas reconstruídas convivem com outras, tal como foram fotografadas. Como em um jogo especular, o visitante perde as referências entre o que é real e o que é invenção. Tanto faz. Os elementos falsos se infiltram para legitimar a realidade caótica. A mesma dinâmica de trabalhos feitos em série transborda para "Provas de Contato", que superlotou de obras a sala quatro da galeria Vermelho. Nela, o curador Eduardo Brandão selecionou trabalhos de cerca de 20 artistas da galeria. "Mais que trabalhos de fotografia, são sobre fotografia", salienta, ao apontar trabalhos como os de Rosângela Rennó, Odires Mlászho e Jac Leirner, entre outros, que discutem mais a gênese da fotografia do que a representação feita a partir dela.

CASASUBU e PROVAS DE CONTATO
Quando: abertura amanhã, às 20h; de ter. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 11h às 17h; até 27/9
Quanto: entrada franca Onde: na galeria Vermelho (r. Minas Gerais, 350, tel. 0/xx/ 11/3257-2033
Classificação indicativa: não informada

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Parque da Memória








Colocando o título, me dei conta que a memória foi um tema recorrente nas postagens destes dias em Buenos Aires. Pra ressaltar tudo, hoje fui ao Parque da Memória. Incrível só me dar conta disso agora. Quando eu e Bia estivemos aqui, alguns meses atrás, vi uma foto do Parque em uma exposição sobre fotojornalismo argentino que estava no Palais de Glace. Naquela vez, decidi que iria lá e fiz isso hoje. Peguei um ônibus no centro, passei pelo porto, pelo Aeroparque e, costaneira adentro, perto da Cidade Universitária (e do estádio do River), encontrei. Não sei bem por quê, mas essa coisa dos desaparecidos e do golpe na Argentina sempre me tocou muito. Talvez pelos filmes que eles fizeram sobre isso? Acho que História Oficial, em 1983, foi o primeiro filme desse tipo que assisti. No cursinho ainda. Depois, Sur. Ainda, Tangos, o Exílio de Gardel, e, mais perto, Kamchatka. O lugar não está pronto, abre em uns horários restritos. Fica na beira do rio, em uma enorme área de 14ha. O monumento é um muro, todo em zigzag, pra parecer, de cima, uma grande cicatriz. "Pra parecer de cima" faz sentido junto com o porquê de o monumento estar na beira do rio: uma das maneiras que os militares usaram para se livrar de cadáveres era com os "vôos da morte". Levavam os detidos em um vôo sobre o rio e os jogavam. Sem palavras. O muro em zigzag tem 30 mil tijolos de granito. E cerca de 8 mil destes tijolos têm o nome e a idade de alguém. Estes são os desaparecidos que foram identificados. Os outros não foram e talvez nunca o sejam. "30 mil"; "8 mil". São números difíceis de dimensionar. Essa é a idéia do monumento. Quantificar, mostrar, dar uma imagem, não deixar igualar "desaparecido"com "inexistente". A diferença não é pequena, é fundamental.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Graciela Iturbide


Graciela Iturbide, fotógrafa.


A Flavio, com cariño. Graciela. :) Sem (+) palavras!


Graciela, na mesa, com auto-retrato projetado atrás.
Fotos: Flávio Dutra

A grande figura do dia de hoje foi a fotógrafa Graciela Iturbide. Mexicana, incrível, doce. Algumas coisas que peguei da fala dela.


- Obsessão pela morte como transformação da vida. Diálogo entre imagens, tempos e símbolos. Ato fotográfico como meio de conhecimento de si e do outro.

- Condição de invisibilidade e condição de captar a surpresa. A fotografia de Graciela obedece ao assombro, ao singular e ao intransferível.

- O “tempo mexicano”: aprendeu com Manuel Alvarez Bravo, fotógrafo.

- Pássaros e iguanas, símbolos da obra de Iturbide. Iguanas para olhar o outro, pássaros para olhar-se a si mesma.

- A morte é e não é como a fotografia. É o tema que os fotógrafos têm em si, sempre. No seu trabalho a morte tem relação com a morte de sua filha.

- A vida não pode ser contada nem pelo realismo, nem pelo naturalismo. Mas sim pelo imaginário e pelo sonho (citando Brassaï).

- Fotografia como um pretexto para conhecer a vida.

- Alvarez Bravo sobre o trabalho do fotógrafo: “Hay tiempo, hay tiempo!”. Com ele olhava pinturas, ouvia música.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Fotografia e memória


Fernando de La Rosa, o peruano torto de simpático


Samuel Bollendorff, o francês fotojornalista: www.loeilpublic.com


Sala de leitura de portfólios, muito organizada


Bjorn Sterri, o norueguês. Em marcha forçada...


Banheiro de centro cultural é, antes de mais nada, banheiro


Trabalho de uma colombiana, sobre a guerrilha. Rio abaixo. O texto faz tudo melhor


A antológica Lúcia e o Festival da Luz

Fotos: Flavio Dutra

Estou em Buenos Aires. Grande cidade! Grande!!! Vim (mais Lúcia, Letícia e Bete) participar dos XV Encontros Fotográficos – Festival da Luz. Muitas exposições, palestras, conversas com autores, leituras de portfólio. Organizado, bacana, rico em experiências. Bom para aprender. Sobre trabalhos e como fazê-los; sobre exposições e suas formas; sobre molduras e formas de pendurá-las; sobre como as idéias cada vez mais circulam de forma parecida (bom pra saber que originalidade, hoje, não é uma questão). Grandes momentos até agora: Bjorn Sterri, um norueguês que fotografa... sua família e só isso. E que não se tome “só” por “pouco”. Não, é muito e intenso. A fala dele hoje deixou todo mundo emocionado; Fernando La Rosa, um peruano sensacional. Acho que se poderia dizer que se o carisma já reencarnou, foi nele, desistamos, esperemos a próxima vez. Sujeito bom!; a exposição da Graciela Iturbide, uma mexicana que, se não estou enganado, é da Magnum (sim, estou enganado, nadaquever!). E o Oscar Pintor, um argentino que, não preciso dizer mas digo, apesar do nome, é fotógrafo da gema, nascido entre o metol, a hidroquinona e o hipossulfito de sódio. E também um fotojornalista francês, Samuell Bollenforff com um trabalho sobre a China (outra, não essa do Ninho de Pássaro e do Cubo d’Água, que, aliás, não consegue me comover depois de ter visto essa exposição). Duas coisas muito impressionantes nesse festival: a força do preto e branco e a presença da morte nos trabalhos. De se pensar...

Mas quero contar uma historinha, particular, porque tem a ver com a memória e, talvez, não haja coisa maior em fotografia que memória. Em 1998 fiz uma viagem pelo norte da Argentina. Ia fazer a clássica ida ao Peru mas queria fazer por um caminho diferente. Vim a Buenos Aires, fui a Córdoba (onde vi gente olhando filme projetado em uma parede na Plaza de Armas, sensacional), depois a Salta e, ainda, subi as “quebradas” de Purmamarca, Humauaca e finalmente, cruzei a fronteira com a Bolívia por La Quiaca, Argentina, Villazon, Bolívia. Peguei um ônibus e fui para Potosi. 4 mil metros de altitude. Altiplano em alto estilo. Na chegada, depois de uma noite de viagem em um ônibus apertado e de estradas de chão, na rodoviária, encontrei dois casais de argentinos de quem fiquei amigo (estava viajando sozinho). Carolina, Miguel, Pablo Tellezon e Guadalupe Miles (só lembro estes sobrenomes). Fiquei bem amigo de Pablo e Guadalupe. Ele, maitre no Sheraton em Buenos Aires, ela fotógrafa. Saímos algumas vezes em Potosi (um dia fomos fotografar em uma feira), fomos jantar. Na última noite juntos, jantamos em um restaurante em que tocavam alguns músicos peruanos. Guadalupe propôs que oferecêssemos uma garrafa de vinho aos músicos. Quando terminaram, vieram falar conosco e agradecer. Nos convidaram para ir ao estúdio deles, ali perto, onde haveria uma festa. Fomos. Era uma sala retangular, com bancos em volta, eles tocando em um canto, pessoas dançando ritmos argentinos e outros (chacarera, acho que é argentina). Lenços na mão e passos esquisitos. E alguém que de quando em vez passava com uma jarra de bebida que se tomava na própria jarra, um gole cada um. A 4 mil metros, altiplano, músicos peruanos, ritmos argentinos e gente dançando. Foi minha maior experiência lisérgica! Nunca mais vi meus conhecidos argentinos. Depois, segui Bolívia adentro, La Paz, Copacabana, Peru, Caminho Inca. Meu pai morreu no meio dessa viagem, fiquei sabendo uma semana depois, quando liguei pra casa. Foi de repente, eu estava no meio de um Canyon, olhando côndores. Canyon de Colca. Difícil saber coisas desse jeito, uma semana depois. Não sabia o que fazer, continuei viajando. Fui ao Chile. Depois disso, me dei mal muitas vezes. Fui roubado, cruzei com um dono de hotel preconceituoso com latino-americanos (e era chileno!). Mas passou, passou. Me lembrei disso tudo por que aqui, olhando as exposições, em uma coletiva de fotógrafos argentinos, está uma foto de Guadalupe Miles, a namorada do Pablo Tellezon. Que bacana é encontrar pontos de contato, de semelhança. Nem que seja só (!) da memória.

Tenho uma foto dela, feita naquela feira em Potosi. Quando chegar em POA, posto.

domingo, 3 de agosto de 2008

Caetano Veloso, o fotógrafo






Fotos: Caetano Veloso

Li na Folha de São Paulo, na coluna da Mônica Bergamo (sexta-feira, 1/08), que o bom bahiano anda fotografando sua excursão européia. As imagens e histórias têm sido publicadas no blog www.obraemprogresso.com.br. Pra lá da minha adoração pelo Caetano, será que todo mundo vai virar fotógrafo com esse negócio de celular-câmera, saboneteira-câmera, caneta-câmera...? Assim não dá, Bionicão! ;) O texto abaixo eu tirei do jornal:

"Eu nunca tive uma câmera e quase nunca tiro fotografias", explica ainda Caetano no blog. "Lembro do tempo em que só os japoneses tiravam fotografia de tudo, o tempo todo, e nós achávamos engraçado. Bepe, nosso guia sardo, na Itália, contou que os japoneses da equipe que rodava um documentário sobre a Sardenha tiravam fotos de todos os pratos que iam comer nos restaurantes. Eu, que queria ser cineasta, acho chato quando se tira muita foto da gente nas praias, no Carnaval, nas celebrações, porque parece que tudo perde o gosto. Não me vejo tirando foto do meu almoço. De fato, a interrupção do ritmo de uma situação pelos constantes arranjos para fotografar enche o saco." Ele diz ainda que "há décadas que vejo coisas incríveis no Carnaval da Bahia e me prometo levar uma câmera para registrar. Mas sempre deixo para o próximo ano pois não quero perder o Carnaval. Fotografar ou filmar é como sair dali e olhar de fora. E parar para ser fotografado atrapalha."

P.S. Gosta de uma sacanagem esse Caetano! ;)