sábado, 19 de julho de 2008

Dona Anna, dona Aracy


Dona Aracy, dona Anna

Vou estar (!) bem longe de ser o primeiro a escrever isso, mas certamente uma das coisas mais legais em profissões que envolvem relacionar-se com outras pessoas é viver entrando em casas, escritórios, consultórios alheios, ouvindo histórias, encontrando jeitos de viver diferentes e parecidos com os da gente. Ontem fui fotografar uma coluna do jornal (da UFRGS, um mensal bacana, bem cuidado, bem editado e trabalhado com carinho por todo mundo, que pode ser visto também em http://www.ufrgs.br/comunicacaosocial/jornaldauniversidade/) chamada Perfil. Sempre alguém ligado à universidade, com uma boa história. Buenas, a foto de ontem era da dona Anna, ex-bibliotecária da Escola de Engenharia, aposentada há-sei-lá-quanto-tempo, de 80 anos. A pauta dizia "gosta de ler". "Gosta de ler", hmmmm.... "bibliotecária", hmmmm.... ela na frente da estante de livros, tá feita a foto. Cheguei lá, sentamos, conversamos um pouco e lancei a pergunta. "Vamos fazer a foto, dona Anna? Que tal junto com seus livros?" Me respondeu ela, "Que livros, meu filho? Eu lá sou velha de ficar juntando papel em casa?" Hmmmm, meu mundo caiu (diria Maisa)! "Como, 'não tenho livros'? A sra. não gosta de ler?" "Gostar de ler eu gosto, mas precisa ter livros em casa pra gostar de ler? Lugar de livro é na biblioteca, ora bolas! Além do mais, o que eu gosto mesmo de fazer é ver novela. Eu e a dona Aracy, a vizinha do 52. Sempre vemos juntas. Vim morar aqui e logo ficamos amigas. Imagina, eu podia ser traficante de drogas e ela foi logo ficando minha amiga". Tentei emendar o papo, me fazendo de entendido, perguntei se ela tava gostando de A Favorita. "Não, essa é muito tarde. Gosto mesmo é da novela das 6" :) Eu já era todo sorrisos, internos e externos. Resolvi fazer uma foto dela no sofá, segurando uma revista. "Gosta de ler", eu, preso na pauta. Depois, me levou pra ver o apartamento, antigo, na Borges. Dona Anna é organizadíssima. Tem bilhetes pra todo lado. "Não deixe pratos sujos na pia"; "Antes de deixar o prato sujo para lavar, limpe-o com um papel"; "Ao sair, desligue a luz, tranque o gás, verifique as trancas" Bilhetes pra ela mesma, veja bem ... Tava indo embora, me despedindo, e ela me convida pra conhecer a dona Aracy, "tenho a chave do apartamento dela e ela tem a chave do meu apartamento". Entramos, veio dona Aracy que imediatamente emendou "Tu também é careca!", e uma gargalhada. Dona Aracy tem 85 anos e agora tá fazendo uma quimioterapia que a fez perder parte dos cabelos. Depois, me levou pra conhecer a casa. Ela acha engraçadíssimo que tem uma copa com portas por dois lados: ela nunca sabe por onde é a entrada e por onde é a saída! Ia embora quando, finalmente (ô, demorou hein?), me "livrei"da pauta ("gosta de ler"). Tirei a máquina e fiz vááárias fotos das duas. "Meu filho, pra que tanto retrato?" Na saída, nos despedimos e dona Anna, avisando, disse pra dona Aracy "5 e meia venho pra gente ver Malhação". Eu, não mais com sorrisos internos, tava virado em gargalhadas internas. Livrei 78 quilos da semana que ia pelo meio! E ainda tivemos tempo pra ver o depósito do prédio, que a dona Anna organizou. Preciso de uma bibliotecária na minha vida!

P.S. Hoje, 19/07, 16h, tem Pipoca e Fotografia no Projeto Contato: War Photographer, sobre o James Nachtwey.

Trilha sonora: Lou Reed, Animal Serenade, Candy Says

Atualização: 21/06/2009: Dona Anna me ligou hoje pedindo as fotos. "Mas eu já lhe mandei as fotos, Dona Ana." "Entregou duas, mas eu quero TODAS as outras! Pode fazer tudo duplo, pra mim e pra Aracy. E depois só me diz quanto foi, não tem problema. Mas me avisa antes, por que não uso cheque, não tenho cartão de crédito e comigo é tudo em dinheiro sonado!" "Tá bom, dona Anna vou fazer as fotos e levo aí pra senhora." "Certo, meu filho. Mas traz até o final do mês porque o filho da Aracy vai casar e ela vai embora pra Belo Horizonte". "Mas deixa eu te contar uma do remédio, antes de desligar: eu tive um AVC em outubro, mas pouca coisa, o único problema é que tô meio sem memória, a casa tá toda cheia de bilhete pra me lembrar do que esqueço. aí, outro dia, fui no banco e a Jacira, a moça da caixa, me perguntou qual era o remédio que eu tava tomando. E eu lembrava? Sabia que tinha a ver com tango, mas não lembrava o nome. Pensei, pensei... tango... Carlos Gardel... Gardel.... GARDENAL! Lógico! Assim não dá pra esquecer! Traz as fotos logo, viu meu filho?"

:) :) :)

6 comentários:

disse...

Que faceiras!

Anônimo disse...

mooooito bom!!!
hahahahahahahahahaha
queridas!

Tai disse...

ge-ni-al.

Unknown disse...

As "noveleiras" estão lindinhas.
Vê que não é só em fria que te coloco, às vezes, quando a gente menos espera, topa com umas pessoas doces como estas.
Eu também queria uma bibliotecária assim lá em casa. Quem sabe ela fica acordada até mais tarde pra vermos "A favorita"?

Anônimo disse...

Os comentários a respeito dos meus cachorróóóóssss estão perfeitos! o gordo é o próprio pilantra que quando pode ataca a geladeira e vai dormir na minha cama. Já a Preta tá sendo educada ao ambiente familiar, já sabe até algun's' 1 comando :) O "vlog" tá muito bacana, adoro os textos :)

fotojornalista | Porto Alegre | RS disse...

Tchê Flávio, muitas risadas! Como é bom ouvir... E essa estória do tango, fabulosa!
Abs
Marenco