sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Exposição no MARGS
Fotos: Flávio Dutra
Cobrindo uma pauta para o Jornal da UFRGS, fui fotografar a exposição comemorativa ao ano França no Brasil, no Museu de Artes do RGS. Algumas coisas me atiçaram a curiosidade:
1. achei que veria mais gente por lá. Fui três vezes ao MARGS e nunca vi muita, muita gente. Certamente está bem visitado, mas tinha impressão que veria ainda mais público;
2. uma coisa engraçada talvez, querida até, mas também uma indicação da nossa "falta de hábito" com as coisas da "grande cultura": as pessoas fazem fila para ver os quadros. Vão seguindo a linha amarela que demarca o espaço possível de aproximação e a usam como uma guia. Quando alguém para para olhar um pouco mais detidamente, os que vêm atrás param também;
3. o recorte foi amplo, dentro da idéia do realismo e da idéia de "França". Van Gogh certamente não é francês e a razão para estar na mostra é que morou e produziu na França. Fiquei pensando se é só uma boa justificativa ou se realmente faz sentido. Ou se não é só uma (ótima!) maneira de termos um Van Gogh aqui (isso vai longe de ser uma reclamação, apenas uma rápida tentativa de pensar "o recorte" da curadoria).
4. por fim, duas curiosidades: estranhei que me permitiram usar flash, se precisasse. E um quadro, do Giacometti, não pode ser fotografado pois a exposição não tem direito de uso de imagem.
Republico abaixo uma coluna do Marcelo Coelho, escrita por conta das fotos em museu - principalmente no Louvre, que foram tema de uma exposição (e trabalho de uma vida) do Alecio de Andrade. Esta exposição esteve em cartaz no Instituto Moreira Salles, em Porto Alegre, até o último dia 27/07.
Aprendendo a ver
MARCELO COELHO
Somos um bocado cegos diante do mundo, mas os fotógrafos nos ensinam a enxergarA maior parte das pessoas vai a um museu de arte para ver, claro, quadros e esculturas. Digo "a maior parte" porque há também os que não têm grande interesse no assunto e simplesmente acompanham, puxados pelo braço, quem os levou até lá. Digo "ver" os quadros e esculturas, mas isso também é exagero. A gente passa por eles, toma conhecimento de que existem, mas nem sempre é fácil "ver" aquilo que está num museu. Às vezes o embolo é tão grande, que em pouco tempo nosso único desejo é sair dali e "ticar" aquele item da nossa congestionada agenda de turista. O fotógrafo brasileiro Alécio de Andrade (1938-2003) pertencia a uma categoria mais rara de visitantes. Durante 39 anos, frequentou o Museu do Louvre. Não para ver as obras, mas para fotografar quem as via.É uma fauna e tanto. Uma das poucas vantagens desses lugares de grande aglomeração turística é poder apreciar a variedade de rostos, de tipos, de atitudes e de idades reunidas em torno de um grande quadro - que surge então não apenas pelo que tem de bonito em si, mas pelo que traz de síntese de toda a humanidade. "O Louvre e Seus Visitantes", em cartaz até 21/6 no Instituto Moreira Salles de São Paulo, reúne várias das fotos tiradas por Alécio Andrade nessa espécie de pesquisa antropológica, muitas vezes irônica, e de vez em quando tomada de lirismo. A ironia aparece, por exemplo, quando três freiras são retratadas de costas, dentro de seus volumosos hábitos cinzentos, absortas na contemplação das Três Graças da mitologia grega, nuíssimas num quadro neoclássico.Cansaço, tédio, vivacidade, sono, discórdia e companhia conjugais se sucedem nas fotos de Alécio Andrade, como se, numa pose inconsciente, todo turista tivesse sido pintado, também, pelos mestres que se escondem do outro lado da parede. O mais bonito de tudo, eu acho, são os cabelos. O glorioso e desgrenhado fluxo de ouro que emoldura uma turista, o comportado corte preto de outra, a surpresa de uma maria-chiquinha fulgurante, o empasto uniforme de uma menina triste como um anjo, tudo lembra e revive as pinceladas, as ventanias, os pudores dos Botticellis e Watteaus, quando fixaram na tela o rosto de tantas mulheres, hoje transformadas em pó. Fotos de pessoas de costas: este é um dos temas do livro brilhante do escritor inglês Geoff Dyer, "O Instante Contínuo", lançado recentemente pela Companhia das Letras.Trata-se, como diz o subtítulo, de "uma história particular da fotografia". Em vez de seguir rigorosamente a cronologia, o autor escolhe temas que possam nos guiar através de um labirinto de imagens, de percepções, de personalidades e de momentos da história do século 20.
Fotos de cegos
Fotos de cegos tocando sanfona. Fotos de multidões usando chapéu. Fotos de escadas. De cercas brancas. De janelas. Comparando, com essas chaves sucessivas, as obras de Paul Strand, de André Kertész, de Edward Weston ou de Walker Evans, o livro de Geoff Dyer é uma maravilha de astúcia, de humor e sensibilidade. Ele evita as armadilhas do formalismo técnico, do sociologismo e do psicologismo, sabendo misturar todos os enfoques sem nunca perder a mão.É difícil ver um crítico capaz de combinar tanta imaginação e senso de realidade num único parágrafo, numa descrição breve de uma obra de arte. A história da grande depressão econômica dos anos 1930, escreve Dyer, "pode ser contada pelas fotografias dos chapéus masculinos".Todos os homens pareciam iguais nas fotos daquela época, porque os chapéus tendiam a uniformizá-los. Antes da crise, chapéus eram sinais de prosperidade e de igualdade. As fotos de 1930 passam a revelar outras coisas: concentração de força política numa manifestação de operários; penúria extrema a pesar sobre a cabeça de um lavrador; anonimato, desistência; último instrumento de trabalho de um mendigo, à espera de esmolas numa esquina.O mendigo, numa foto de John Vachon tirada em 1937, era cego. O fascínio dos fotógrafos pelos cegos é mais do que compreensível. Os turistas do Louvre, retratados por Alécio Andrade, não são muito diferentes desses cegos; de resto, na maior parte do tempo somos todos um bocado cegos diante do mundo. Mas os fotógrafos servem exatamente para nos ensinar a ver; Geoff Dyer é um daqueles críticos que fazem isso também.
coelhofsp@uol.com.br
Fonte: Folha de SP, de 27/05/2009.
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