quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sem (mais) palavras

A câmera universal

É comum alguém anunciar que não sabe desenhar. Mas será que desenhar tem a ver com saber, com alguma forma específica de conhecimento? É certamente muito mais raro alguém proclamar que não sabe fotografar. Talvez o cidadão admita que não domina um equipamento mais sofisticado, que lhe falta alguma técnica, mas é raro que declare que não sabe fotografar. E, no entanto, fotografia é algo que se ensina, que se aprende e se estuda.
Observe, por exemplo: quase todo mundo, quando começa a estudar fotografia, logo deixa de dizer máquina e passa a usar câmera. A máquina, de alguma forma, afasta o procedimento de captação de imagens daquilo que ele tem de mais humano. Dizer máquina nos transfere para um outro universo, menos pessoal, mais distante, nos transporta para o campo dos mecanismos, daquilo que não é de carne nem osso. Não que esse seja um mundo pior ou melhor, não é isso que interessa aqui. Ocorre que dizer câmera, em lugar de máquina, torna o universo da fotografia mais íntimo. A câmera, diferentemente da máquina, funciona como prolongamento do olho, do corpo, do imaginário daquele que fotografa.
Sim, fotografia é algo que se ensina. Portanto, aprende-se, estuda-se.  O aprendizado mais efetivo, obviamente, não é aquele que nivela, que comprime ou iguala os diferentes olhares. Não é à toa que o lugar privilegiado de estudo se chama universidade. O estudo mais efetivo reconhece as disparidades. Mais do que isso: alimenta-se e sobrevive dessas diferenças: fotografias experimentais, fotografias para imprensa, cores e preto e branco, instantâneos, imagens construídas, tomadas rápidas, ensaios cuidadosamente planejados, documentações de momentos decisivos ou da banalidade da nossa vida cotidiana. Aprende-se a dominar a câmera, aprende-se enquadramento, composição, atribuições de sentidos, ordenamentos, aprende-se que sempre se estará aprendendo e que sempre haverá algo para ensinar. O ensino nos deixa mais íntimos daquilo que nos propomos a examinar.
Isso vale tanto para a câmera mais sofisticada quanto para aquela mais rastaquera, que opera somente no automático. Câmera, não máquina.

Texto do Eduardo Veras para a Exposição Panorâmica, que abre amanha, 19h, na Galeria dos Arcos da Usina do Gasômetro. 

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