sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

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Altos e baixos de uma nação

Sai no Brasil livro de James Agee e Walker Evans que retrata EUA nos anos 30, na Grande Depressão




SÉRGIO D'ÁVILA., DE WASHINGTON

Se "As Vinhas da Ira", de John Steinbeck, foi o romance que melhor captou o espírito do tempo da Grande Depressão norte-americana, "Elogiemos os Homens Ilustres", do escritor James Agee e do fotógrafo Walker Evans, tem esse mérito na não ficção.

Com duas diferenças que favorecem o segundo livro, que sai agora no Brasil: embora tenha sido lançado em 1941, dois anos depois de "Vinhas da Ira", foi feito três anos antes deste; e, diferentemente do livro de Steinbeck, que é um romance clássico, "Homens Ilustres" rompeu os limites da linguagem jornalística da época.

Foi um dos precursores do gênero chamado jornalismo literário. Um precursor esquisitão, que daria mais no gonzo Hunter Thompson, de "Medo e Delírio em Las Vegas", do que no arrumadinho Gay Talese, de "Aos Olhos da Multidão".

No verão de 1936, Agee recebeu uma pauta da revista "Fortune": passar oito semanas vivendo com três famílias de trabalhadores rurais das fazendas de algodão do sul do país e retratar suas condições de vida brutais e miseráveis. Levaria com ele o fotógrafo Evans, então na folha de pagamento de um dos programas federais do presidente F.D. Roosevelt.

Lançada em 1930 pelo fundador da "Time", a "Fortune" era uma revista mais interessante que a atual (a capa da edição mais recente é "As dez melhores ações para 2010"), com uma "esquizofrenia editorial, que deu vigor criativo e visão crítica" à publicação, como escreve Matinas Suzuki Jr. no posfácio da edição brasileira do livro.

Agee se envolve pessoalmente com os personagens que retrata e aparece ele próprio como personagem. Usa pseudônimos, interrompe a narrativa com listas, citações e poemas, reproduz palavras pelo som, pelo cheiro.

Veja como descreve a casa de uma das três famílias: "A casa fica só Em frente da casa: sua estrutura geral Em frente da casa: a fachada O cômodo sob a casa O corredor Estrutura dos quatro cômodos Odores Nudez e espaço" Nesse sentido, o texto do repórter de 27 anos é mais radical do que as imagens do então já consagrado fotógrafo de 33, cuja intenção era fazer retratos que o próprio Evans uma vez descreveu como "literários, impositivos, transcedentes" -esse trabalho pode ser visto em exposição atualmente em cartaz no Masp, em São Paulo. É difícil discordar de Evans.

Já o título do livro foi tirado de um verso do "Eclesiastes" da "Bíblia" apócrifa, conjunto de livros não aceitos por religiões como a judaica e a protestante, e não por seu homônimo do "Velho Testamento", como se pensa, aquele mais conhecido pelos versos "Vaidade de vaidades! Tudo é vaidade" e "Nada há de novo debaixo do sol".

É o versículo 1 do capítulo 44, que diz: "Vamos agora louvar homens famosos, e nossos pais que nos geraram". Ironicamente, o "Eclesiastes" estabelecido teria mais a ver com o espírito do livro do que o apócrifo, já que faz o elogio do trabalho do homem justo.

Gerações de escritores, fotógrafos e leitores vieram e foram, mas a terra permaneceu igual. Talvez não exatamente o sul pobre do Alabama, tratado no livro, mas lugares como a Cordilheira dos Apalaches, em Estados dos EUA como a Virgínia Ocidental, em que 68 anos depois não é difícil encontrar trabalhadores nas condições retratadas por Agee e Evans.


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ELOGIEMOS OS HOMENS ILUSTRES
Autores: James Agee e Walker Evans
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: R$ 62 (454 págs.)

Fonte: Folha de SP, do dia 17/12/2009.

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