domingo, 12 de abril de 2009

O retrato, segundo Cristovão Tezza




(...) Mas ela disse sim - não minta para você mesma, esta é a regra de ouro - ela disse sim porque queria mesmo ser fotografada, não porque ele era atraente. Isso ela foi descobrindo depois. Aquele modo de o fotógrafo olhar para as pessoas quando vão fotografá-las: é uma coisa estranha e misteriosamente excitante, porque eles nao nos vêem - eles vêem um recorte, um jogo de claro e escuro, uma composição. Eles olham atentamente para você, olham nos olhos profundamente, como ninguém mais se atreve a olhar, exceto sob paixão; e no entanto trata-se apenas de uma investigação, é só isso o que eles fazem; eles querem saber qual o seu lugar naquele recorte do mundo que eles têm diante deles. E o quadro na parede ao fundo e o abajur próximo têm tanta importância quanto os seus olhos, ela lembrou, como lembraria milhares de outras vezes; é um olhar utilitário, ainda que o fim de tudo seja a beleza, não a nossa, mas a deles, a exatidão medida do talento. Mas ele me viu, ele me via, ela lembrou.



Do livro O Fotógrafo, de Cristóvão Tezza, p. 108/109.

Um comentário:

Maria Clara Spies disse...

Nossa, adorei esse texto!! O dia que estive na sede de vcs, falei com o Nede de um livro que estou "em processo de leitura", O Pintor de Batalhas, acho que podes gostar.

bjocas e saudades