Fotos de cineasta envolvem em mistério imagens improváveis
FABIO CYPRIANO, DE SÃO PAULO
As imagens que o diretor alemão Wim Wenders apresenta a partir de amanhã em mostra no Masp (Museu de Arte de São Paulo) não têm nada a ver com seus longas.
Ao menos do ponto de vista da realização.
"Minhas fotos são um produto totalmente autônomo.
Viajo sozinho e no mínimo uma vez por ano para realizá-las. Às vezes, faço também imagens enquanto rodo um filme, mas nunca do set", disse Wenders à Folha, fazendo questão de caminhar e contar a origem de cada uma à reportagem.
As 23 imagens em exposição foram feitas em quase todos os continentes do planeta. Japão, Austrália, Armênia, Estados Unidos, Alemanha e Brasil são alguns dos países retratados por ele.
No entanto, ao contrário da obra cinematográfica, que sempre usa a identidade de cidades como parte essencial da trama -caso de Berlim, em "Asas do Desejo" (1987), ou de Los Angeles, em "O Fim da Violência" (1997)-, suas fotografias são misteriosas, dando poucas pistas de suas origens.
Há imagens de desertos na Austrália e nos EUA, grandes cidades como São Paulo ou Berlim, mas identificar cada local não é tão fácil.
A imagem paulistana, por exemplo, é uma panorâmica da cidade feita do alto de um edifício no centro, que tem em primeiro plano um maquinário verde, provavelmente para ventilação. Pequenas plantas crescem dentro deles. Aqui, vê-se como Wenders foge dos estereótipos de cartões postais.
Essa espécie de deslocamento pode confundir quem vir a imagem com os grafites da dupla Osgemeos.
"Essa foto é meio paulista, meio alemã", brinca Wenders, que explica ter feito a imagem em Wuppertal, na Alemanha, recentemente, enquanto preparava seu novo filme, "Pina".
Essa mescla de imagens de primeiro plano estranhas e quase irreais, colocadas em contextos de difícil identificação, segue praticamente em toda a exposição, como um improvável dinossauro no deserto de Mojave, na Califórnia.
Já outra diferença entre seus longas e suas fotos é que, enquanto no cinema Wenders usa o sistema digital, em suas fotografias, ele usa o analógico: "Nelas, não tem nada de efeitos especiais ou de manipulação digital".
Diretor tenta levar às telas melancolia das obras de Hopper
ANDRÉ BARCINSKI, CRÍTICO DA FOLHA
Wim Wenders nasceu em 1945, no fim da Segunda Guerra. Como muitos jovens alemães de sua geração, foi fortemente impactado pela cultura pop dos EUA.
"Cresci em Düsseldorf, uma cidade 80% destruída pela guerra", diz. Vieram então os quadrinhos, o rock and roll e, finalmente, o cinema de Hollywood. Ele próprio consente que seus temas centrais são a americanização da Alemanha e seu devastador efeito na juventude.
Especialmente nos primeiros anos, Wenders buscou externar os sentimentos de solidão, deslocamento e melancolia de sua geração. Por isso foi chamado de "o existencialista" dos cineastas alemães do fim dos anos 60.
Não é à toa que Wenders fez tantos "road movies", sendo ele próprio um nômade que só passou a se interessar de fato por cinema em Paris, onde foi tentar a carreira de pintor e descobriu a Cinemateca Francesa.
Logo ficou obcecado pelo cinema de gênero americano, especialmente faroestes e dramas. Idolatrava John Ford e Anthony Mann. Se herdou o rigor estético de seus mestres, certamente não emulou Mann e Ford quanto à eficiência narrativa.
"Eu concordo que meu ponto mais fraco é a narrativa." Sempre se disse mais interessado nas sensações que a imagem pode transmitir do que em contar uma história.
Mais que o próprio cinema, o que ajudou a moldar seu estilo foi a adoração pela pintura, especialmente a de Edward Hopper (1882-1967).
Se fosse possível definir uma carreira tão bonita em uma frase, poderia ser dito que ele tenta passar para o cinema a nostalgia, a melancolia e o senso de isolamento das telas de Hopper.
"Não quero impor minhas histórias"
Em entrevista à Folha, Wim Wenders diz que futuro do documentário é o 3D, feito para "representar a realidade"
Diretor diz que esperou 20 anos pela tecnologia 3D para poder filmar a dança de Pina Bausch de maneira correta
Wenders conversou com a Folha anteontem à tarde, no Masp, enquanto passeava pelas 23 fotografias que compõem sua exposição. Depois saiu andando, anônimo, pelo vão do museu. Confira a seguir trechos da entrevista. (JULIANA VAZ)
Folha - O sr. disse, certa vez, que era um criador de imagens e se tornou um contador de histórias. Como se deu essa passagem?
Wim Wenders - Em meus primeiros filmes, eu estava interessado nas imagens, mais do que nas histórias. Minhas primeiras histórias eram bem frouxas, elas tentavam seguir certa cronologia, alguém caminha por uma cidade e isso é a história-este sou eu cineasta.
Como fotógrafo eu me organizo de uma forma muito diferente. Não quero me impor, quero deixar o lugar aparecer como é, e é por isso que faço fotografias grandes. Se você fica diante delas tem também a chance de estar lá.
A exposição se chama "Lugares, Estranhos e Quietos"...
Sou atraído por lugares bem estranhos, mas com uma beleza própria. Às vezes eles estão abandonados, ou perdidos, esquecidos. E às vezes os encontro mesmo que as pessoas que moram lá não saibam que eles existem, como este grafite dos nossos amigos brasileiros Otávio e... [aponta para uma das fotografias, que mostra uma obra de Otávio e Gustavo Pandolfo, da dupla Osgemeos].
Em Wuppertal, nenhum dos 35 dançarinos de Pina Bausch, que moravam lá, tinha ouvido falar deles.
O sr. esteve aqui há dois anos. Como vê São Paulo?
O engraçado em São Paulo é esta mistura: ser tão anos 50 e 60, e ainda ter um toque futurista. Eu gosto muito deste edifício, é muito de um sonho dos anos 50 e 60, e ainda fica de pé. É grande arquitetura e ainda há certa utopia, ainda que não seja nova.
Seu próximo filme, "Pina", é em 3D. É o futuro do cinema?
Sim, mas o 3D é sobretudo o futuro do documentário. Ele foi feito para representar a realidade, muito mais que a fantasia. Por 20 anos, hesitei em fazer o filme, pois achava que não podia mostrar o trabalho de Pina corretamente em um filme plano normal, porque a dança depende muito do espaço.
Achei que tiraria alguns elementos da dança se filmasse em duas dimensões. Infelizmente ela morreu antes de começarmos a filmar, mas ela sabia que seria em 3D e ficou feliz.
Como sentiu a morte de Dennis Hopper?
Dennis era um amigo muito muito querido, falamos muito por telefone no seu último ano, e ele estava ciente do que estava acontecendo. Ele foi corajoso e manteve o humor até o fim.
Sua versão de "Até o Fim do Mundo", tem quase 5 horas.
A versão curta foi mutilada, este é o filme que eu queria fazer, e pude editá-lo só dez anos depois. A versão curta foi uma experiência muito triste porque fui forçado a lançar o filme pela metade. Esta é a única versão, a coisa mais ambiciosa que já fiz e estou muito orgulhoso.
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WIM WENDERS - LUGARES ESTRANHOS E QUIETOS
QUANDO abertura amanhã para convidados; de terça a domingo, das 11h às 18h, quintas, das 11h às 20h; até 9/1
ONDE Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 0/xx/11/3521-5644)
QUANTO de R$ 7 a R$ 15; grátis às terças
Fonte: Folha de São Paulo, de 19/10/2010.